Como no chavão explicativo das margens de erro das pesquisas, o presidente Lula desta nebulosa fase de hesitações, perdido na remontagem do governo, às vezes surpreende para mais ou para menos com um acerto no cravo e duas falhas no repique da batida na ferradura.

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Ainda agora, a equipe econômica tentou travar, na moita, a gincana de gastos e desperdícios no Congresso, com a recaída na orgia das mordomias e saques nos cofres públicos e, no Judiciário, ainda contaminado pelas mágicas do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, inventor do engenhoso reajuste tríplice, com datas e índices pré-fixados.

Poupou-se o presidente do desconforto de anunciar a pancada nas verbas orçamentárias dos dois poderes: o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, com o amortecedor das justificativas, comunicou o corte de R$ 1,246 bilhão nas despesas do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público para garantir o cumprimento da meta de superávit primário, tal como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

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Mas a resposta debochada do Congresso, em cima do laço, parece jogo de cartas marcadas. O presidente Lula distribuiu diplomas de heróis a ministros, que ganham míseros vencimentos, e aos usineiros de cana que se sacrificam pela pátria. Ressaltou que os pouco mais de R$ 8 mil que ganha, noves fora as mordomias, não justificam queixas, pois nenhum torneiro mecânico alcança tal nível salarial.

Nos esconsos da Câmara, sob a batuta do presidente Arlindo Chinaglia, afinal assumindo o posto vago de substituto do ex-presidente Severino Cavalcanti, na vigorosa investida do baixo clero que empolgou o plenário, brotou a flor do lodo da solução suspeitíssima, da mais abjeta insensibilidade ética no festim que contempla, em dose dupla, os parlamentares, os ministros e, claro, o presidente reeleito. Com a rapidez do raio, a austera Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovou o reajuste de 26,49% para os vencimentos do presidente Lula, o vice-presidente José de Alencar, ministros, deputados e senadores. Como passageiros do trem da alegria, os vencimentos do presidente saltam de R$ 8.885,48 para R$ 11.239,24. O vice-presidente passa a ganhar R$ 10.578,11. E os ministros, R$ 10.578,11.

O glacê adoça os subsídios parlamentares que saltitam dos atuais R$ 12.847,20 para R$ 16.250,42. Mas o comboio vai deixando pacotes pela estrada. A verba indenizatória será revista para que parte do jabá seja liberado da farsa da prestação de contas. E a verba dos gabinetes individuais com o milagre da multiplicação dará para abrigar parentes, cupinchas, cabos eleitorais e os amigos do peito. Uma vergonha que ofende e agride o povo e desacata os eleitores com a desmoralização do voto.

Não é só. Decreto publicado no Diário Oficial, com a regulamentação da Lei de Gestão das Florestas Públicas, aprovada pelo Congresso, autoriza a utilização das reservas ambientais para unidades de conservação, áreas de manejo para as comunidades locais e a exploração pelo setor privado em, no máximo, 3% das florestas, até 2010. Da trinca, a última não passa pelo gogó dos ambientalistas.

No roteiro da contradição com o passado e os compromissos do PT e de quatro campanhas do antigo líder sindical, o governo jogou pesado para aprovar na Câmara, por 308 votos contra 141, o recurso do mesmo Partido dos Trabalhadores contra a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do apagão aéreo. Vitória pendurada na corda podre da incoerência e no risco de ser derrubada pelo STF, ao julgar o recurso da oposição.

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O vírus do apagão, pelo visto, é contagioso. O ministro Walfrido do Mares Guia, de mala pronta para a permuta do Ministério do Turismo pela coordenação política do governo, na pré-estréia comunicou à distinta platéia que "não temos apagão no setor aéreo". O caos que inferniza milhares de pessoas em horas de dias e noites de espera nos aeroportos de todo o país não vai além de "falhas que foram detectadas e as providências tomadas".

Os arranhões do governo e seus tormentos políticos foram em parte aliviados com a mágica do crescimento de 10,9% da economia brasileira e de R$ 2,147 trilhões dos nossos reais, em 2005, graças à reformulação das contas nacionais que, há cinco anos, em surdina, vinham sendo remontadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O governo, portanto, pode franquear o acesso ao cofre à fila de espera. Para o povão tudo continua na mesma.

Villas-Bôas Corrêa é analista político.