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 | Ivonaldo Alexandre/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Ivonaldo Alexandre/Arquivo Gazeta do Povo

A solidariedade é intrínseca à condição humana, um dever moral que vai além da dimensão religiosa, pois todos somos gregários e frágeis. A bondade é tão relevante que, cinco séculos antes de Cristo, nos limiares da filosofia, o pré-socrático Demócrito de Abdera assim aconselhava: “é preciso ou ser bom ou imitar quem o seja”.

Praticar o bem é um ato nobre e gratificante, sejam quais forem as motivações: espiritualidade, cidadania ou alegria de servir. Conta-se que um grande filantropo americano foi à Índia conhecer as ações de Madre Teresa e, surpreso com tanta misericórdia e dificuldade, teria exclamado: “Irmã, eu não faria esse trabalho por dinheiro algum do mundo”. Ao que ela respondeu: “Eu também não”. Imbuída de elevada religiosidade, ela manifesta a sua escala de valores: “as mãos que ajudam são mais sagradas que os lábios que rezam”.

O voluntariado é uma via de mão dupla, pois dá dignidade, supre necessidades básicas e leva tanto quanto possível autossuficiência à comunidade atendida. E a neurociência comprova que agir de modo altruísta, entre outros efeitos positivos, libera o hormônio oxitocina, que promove bem-estar e cuja falta pode ocasionar estresse e depressão. “Voluntarioterapia”, um neologismo que se impõe diante de testemunhos daqueles que esquecem os próprios problemas, pois são pequenos diante da realidade em que estão atuando; ou que abandonaram terapias e remédios contra a tristeza e a depressão – não há voluntário triste quando em ação.

O que choca mais, a pobreza ou a passividade diante dela?

Zilda Arns, uma mártir do voluntariado – pois faleceu em plena atividade comunitária, vítima do terremoto no Haiti em 2010 – se faz oportuna: “quem é voluntário não só dá, recebe muito mais”. Essa transcendentalidade está presente nas palavras de Gibran Khalil Gibran, humanista e escritor libanês: “O trabalho voluntário é para mim uma prece silenciosa. Deveis encontrar uma causa generosa à qual sacrificareis tempo e dinheiro, porque é assim que conhecereis a alegria de dar. Mais do que vossas posses, é quando derdes de vós próprios é que realmente dais”.

Inegavelmente, é a motivação religiosa que prepondera em atividades sociais de benemerência. Os fiéis que frequentam igrejas, sinagogas, mesquitas ou outros templos são mais generosos na doação de seu tempo e nas contribuições pecuniárias. Um estudo realizado nos Estados Unidos pela Charities Aid Foundation aponta que, em média, o americano religioso distribui 7% de sua renda para projetos sociais, correspondendo ao dobro dos 3,5% praticados pela população como um todo, em muito contrastando com os 0,3% da renda que os brasileiros dedicam às doações.

Certamente, não é menor a generosidade dos brasileiros, mas sim baixa a confiança em relação às associações de filantropia (quantas delas merecedoras do adjetivo “pilantrópicas”?). A despeito, há um outro olhar, de enlevo e esperança, quando se convive com o expressivo número de abnegados que dedicam tempo e dinheiro às famílias necessitadas ou entidades assistenciais idôneas, sem que constem em qualquer estatística.

Leia também: Sombras e luzes (artigo de Carlos Alberto Di Franco, publicado em 11 de setembro de 2017)

Leia também: O poder do voluntariado (artigo de Carla Sattler, publicado em 5 de dezembro de 2011)

Até mesmo sem vínculos com crenças religiosas, muitos são os atores sociais movidos pelo espírito de cidadania, cujo estímulo advém do prazer de agregar valor à comunidade, ou até pelo desejo de serem reconhecidos. Sim, há aqueles que promovem ações voluntárias em busca de reconhecimento e autopromoção ou para vender uma boa imagem – mesmo assim, não devem ser julgados, pois a entrega traz benefícios. É um narcisismo eficaz, e ser apreciado é próprio da condição humana. Seja qual for a motivação, é sempre relevante a promoção de oportunidades de estudos e trabalho que propiciem autossuficiência e efetiva inclusão social.

Infelizmente, boa parte dos países ainda pratica a “economia da exclusão, que mantém os pobres na marginalidade” – faz-se oportuno o papa Francisco. E o Brasil é uma das nações em que há maior desigualdade social, não por escassez de recursos, e sim por injustiça e improbidade. É de se perguntar: o que choca mais, a pobreza ou a passividade diante dela? A bem da verdade, uma real e duradoura transformação de nosso país virá de uma contribuição muito significativa das ações comunitárias de cada um de nós e, concomitantemente, de uma pressão persistente sobre gestores públicos e melhores escolhas na eleição de nossos dirigentes e legisladores.

Vivenciamos a época natalina, em que mais afloram os sentimentos da caridade cristã, que devem prevalecer para todo o ano de 2018, pois quem não tem amor ao próximo e solidariedade em seu coração sofre da pior doença cardíaca.

Jacir J. Venturi, coordenador na Universidade Positivo, foi diretor de escolas e professor da UFPR e PUCPR.
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