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Já se ouviu falar algumas vezes que a crise econômica que se configura no Brasil poderá ser uma reedição do que se viveu no país na década de 1980. Para aqueles que viveram aquela época, essa ameaça surge como uma reedição fantasmagórica de um tempo de remarcações de preços, confusão, “lista de supérfluos” e um Brasil que vivia no FMI.

No entanto, é equivocado afirmar que a classe média brasileira sofrerá um revival da década de 1980, pois o país é muito diferente, os hábitos de consumo são diferentes, as famílias brasileiras e o mercado de trabalho são diferentes. Em alguns aspectos, certamente essas diferenças serão favoráveis a uma melhor resiliência a este período de crise. Em outros, indica um Brasil e um mundo mais complexos.

O endividamento, por exemplo, é muito mais amplo do que na década de 1980, possibilitando maior extensão do crédito – há cartões de crédito, diversas linhas operadas pelos bancos comerciais, financeiras etc. O juro relativo também é muito mais alto e, em uma extensão temporal da crise, a possibilidade de perda patrimonial e queima de ativos também é maior. Os alimentos e bens básicos são hoje relativamente muito mais caros do que eram na década de 1980. Hoje o Brasil não é mais um país de custo de vida baixo. Os imóveis também são relativamente mais inacessíveis do que eram na década de 1980, tanto para compra quanto para aluguel.

Corre-se o risco de se sofrer um seríssimo processo de brain drain

Por outro lado, o consumo é hoje muito mais globalizado, assim como a noção de mundo e de comparações é mais clara, e presente. O acesso a informações é muito mais amplo, assim como o padrão de consumo, mais alto.

A menor rigidez do mercado de trabalho traz um impacto por vezes não percebido nos índices de desemprego formal, o que não significa que não acontecerá um achatamento significativo. A migração de recursos humanos do Centro-Sul para o Centro-Oeste e Nordeste também é uma alternativa, como aconteceu nos Estados Unidos em épocas de recessão, porém limitada. No entanto, corre-se o risco de se sofrer um seríssimo processo de brain drain, que é a perda de uma geração de profissionais, ou o subaproveitamento do capital humano de uma determinada faixa etária mais jovem, por causa de uma situação prolongada de baixa atratividade do mercado de trabalho, mesmo em pleno boom do empreendedorismo e com empregos tecnológicos flexíveis. Esse tipo de fenômeno aconteceu na Argentina na década passada, e vem acontecendo na Venezuela durante os últimos cinco anos, especialmente. Os jovens mais aptos buscarão empregos, em primeiro lugar, nos grandes centros do país e, em segundo lugar, no exterior, se tiverem condições; os de menores condições competitivas, ou menor escolaridade, estarão reféns do subemprego, ou buscarão a informalidade.

É preciso preparar-se para um período de resiliência, e até mesmo de estabilidade emocional para se enfrentar um período mais difícil, talvez relativamente longo. Que as experiências do passado e os avanços tecnológicos e comportamentais do presente nos ajudem.

Gustavo Grisa, economista, é especialista do Instituto Millenium.
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