Nos dias 6 e 9 de agosto deste anos completaram 77 anos dos ataques com arma nuclear às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, ocorridos em 1945. A bomba atômica de Hiroshima (Little Boy) liberou energia equivalente a 13,5 quilotons e a de Nagasaki (Fat Man), 21 quilotons, onde 1 quiloton, ou 1 kt, é equivalente a mil toneladas de TNT, um forte explosivo convencional. Na soma das duas cidades, as explosões nucleares ocasionaram em segundos 120 mil mortes e até dezembro de 1945, mais 160 mil perderiam a vida devido a ferimentos e efeitos da radiação. Ao todo, 87 mil edificações foram ao chão, as quais corresponderam a 92% das edificações de Hiroshima e a 34% das de Nagasaki.
Embora estes eventos pareçam improváveis de se repetirem, esta é uma percepção equivocada; afinal, à época havia apenas duas armas nucleares no mundo, hoje são quase 13 mil.
Se levarmos em conta o nível de tensão geopolítico mundial, temos a sensação de estarmos revivendo a época da Guerra Fria entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mas agora entre mais potências nucleares, no tocante ao aumento nos estoques de armas de destruição em massa e aos seus aperfeiçoamentos nos países detentores de tais artefatos.
A consciência a respeito da gravidade de um confronto aberto entre potências nucleares é fundamental para que a sociedade civil assuma uma atitude imperativa nas variadas formas de manifestação contrárias ante a possibilidade de tal cenário estarrecedor ocorrer.
A possibilidade do governo russo em utilizar uma “pequena” arma nuclear no conflito com a Ucrânia não pode ser normalizada pela repetição da ameaça.
Atualmente em curso, a guerra entre Rússia e Ucrânia pode levar o exército russo a utilização de um “pequeno” artefato nuclear, classificado como arma nuclear tática, cuja energia liberada situa-se na faixa de décimos de quilotons a alguns quilotons – o limite máximo é variável. Esta estratégia militar tem potencial para desencadear um conflito mundial, dado o estigma apocalíptico e imoral que envolve o uso de uma arma nuclear por uma nação contra outra nação.
Além do altíssimo número de mortes e das chocantes imagens de destruição das duas cidades japonesas, é importante compreendermos o significado da energia e da potência liberada por um artefato desta natureza.
Podemos entender isso melhor a partir de uma analogia. Não é necessário estudar ciências exatas para entender que, a um corpo elevado de uma certa altura do solo, está associada uma energia, denominada de Energia Potencial Gravitacional; basta soltar um tijolo em direção ao solo: quem colocaria o pé embaixo?
Imagine uma esfera de ferro de diâmetro 112 metros, três metros a mais que a altura da Torre Panorâmica de Curitiba. Feita deste metal e com esta dimensão, a massa da esfera seria de 5,7 bilhões de quilogramas ou 5,7 milhões de toneladas. Eleve esta esfera até a altura de 1 quilômetro e a mantenha lá. Agora solte a esfera em direção ao solo. Dá para imaginar a intensidade do impacto deste corpo atingindo o chão com velocidade de 504 km/h? Esta foi a quantidade de energia liberada pela bomba atômica de Hiroshima!
Este exemplo serve apenas para termos uma ideia da energia contida na bomba atômica de Hiroshima, pois a maneira como a energia é liberada numa explosão nuclear é completamente diferente da energia gravitacional associada à esfera. A explosão em Hiroshima produziu ventos de centenas de quilômetros por hora, muito calor a ponto de derreter metal nas suas proximidades e muita, muita radioatividade.
Difícil estimar o intervalo de tempo entre o início da colisão da esfera com o solo e o repouso da mesma até criar uma cratera, mas deve ser da ordem de grandeza de segundos. Se dividirmos o valor da energia com que a esfera atinge o solo por este intervalo de tempo, obtemos o valor de uma grandeza física bastante conhecida, a potência. O intervalo de tempo que uma determinada quantidade de energia é liberada está associado à intensidade do evento que liberou a energia: quanto menor o intervalo de tempo, maior a intensidade e maior o potencial destrutivo. No caso da esfera em queda livre, embora o intervalo de tempo dependa do tipo de solo, seguramente deve ser de alguns segundos: 5, 10, 15. Na explosão da bomba atômica de Hiroshima (e a de Nagasaki ou de qualquer outra explosão nuclear), este intervalo de tempo é da ordem de grandeza do microssegundo (1 segundo dividido por um milhão). A potência da Little Boy foi de aproximadamente 6 bilhões vezes 1 bilhão de watts. Como comparação, a potência instalada nos 20 geradores da Usina de Itaipú é de 14 bilhões de watts.
A possibilidade do governo russo em utilizar uma “pequena” arma nuclear no conflito com a Ucrânia não pode ser normalizada pela repetição da ameaça. O uso de um artefato desta natureza contra uma nação é profundamente imoral e trágico. A falsa alegação de pequeno poder destrutivo não se sustenta: todo o evento WTC (Word Trade Center) ocorrido em 2001 nos EUA, a saber, a soma das energias cinéticas da duas aeronaves que colidiram com os edifícios, das quantidades totais de combustível queimado, mais a energia da queda das duas torres, somam aproximadamente 0,2 kt. E um detalhe importante neste evento: toda a energia de 0,2 kt foi liberada em 102 minutos, ou 6120 segundos.
O atentado terrorista na cidade de Oklahoma, no estado de mesmo nome, nos EUA em 1995 contra o edifício Alfred P. Murrah, foi devastador. O explosivo utilizado foi o ANFO, convencional e caseiro, e liberou energia da ordem de 0,003 kt num intervalo de tempo da ordem de milissegundos, típico de explosivos comuns. Outro exemplo marcante de explosão ocorreu em agosto de 2020 na cidade de Beirute, capital do Líbano. Uma explosão de nitrato de amônia (a base do ANFO) no porto da cidade liberou, segundo estimativas de sete estudos sobre os efeitos da explosão, energia entre 0,25 a 1,1 kt, valores típicos da energia de uma arma nuclear tática.
Considere estes valores de energia liberados em microssegundos. Não existe explosão nuclear de pequena intensidade; existe explosão nuclear. O uso deste tipo de artefato contra civis ou militares, deve ser rechaçado pela sociedade mundial, não importando o valor de quilotons da arma nuclear.
Além do enorme poder de destruição, o precedente deste recurso militar inauguraria uma época de apreensão sem fim sobre a humanidade. Qualquer conflito entre nações envolvendo ao menos uma potência nuclear em uma das partes criaria um clima de ansiedade de que um evento nefasto como este poderia se repetir.
Dinis Gomes Traghetta é professor de Física, palestrante e autor do livro “A Bomba Atômica Revelada”.