Em 18 de novembro de 1889, o Diário de São Paulo publicou uma carta do propagandista republicano Aristides Lobo, em que este relatava sua impressão sobre a Proclamação da República que se dera três dias antes. Para ele, o povo, que deveria ser o grande protagonista do evento, assistiu a tudo bestializado, julgando, talvez, se tratar de uma parada militar. Tal percepção, ainda que possa ser discutida, revela algumas particularidades sobre a participação política do brasileiro e a sua consciência de como deve ser o exercício desse papel.
Num primeiro momento, o que se viu é que a República havia sido para poucos, com pouca participação popular
Diferentemente das revoluções Francesa e Americana, o Brasil teve uma proclamação, assim como já havia sido a outra, do início do século 19, por conta da Independência. Ou seja, grandes mudanças políticas levadas a cabo por poucos, que ao mesmo tempo representavam uma disputa econômica e de poder no âmbito das elites, mas que, por outro lado, apontavam para uma cidadania muito apoiada no messianismo, mandonismo e paternalismo, gestada ao longo dos mais de três séculos de colônia.
Com o novo regime, subiu para o primeiro plano o conflito que antes, por causa de um objetivo comum, não estava tão evidente. Atores e ideias passaram a disputar o coração e a mente do povo, assim como o direito de moldar a incipiente república. Oscilando entre o liberalismo americano e o positivismo de origem francesa, havia uma elite militar e outra oligárquica, com seus mandonismos locais. Num primeiro momento, o que se viu é que a República havia sido para poucos, com pouca participação popular, descentralização de poder e o estabelecimento de pequenas monarquias locais no interior do país.
Hoje, 130 anos depois, e após termos vivenciado várias repúblicas neste período, duas lições básicas podem ser destacadas. A primeira delas é que uma república democrática baseada em um Estado de Direito deve zelar pelo fortalecimento de suas instituições, pois, na ausência delas, o personalismo e o casuísmo tomam conta. Em segundo lugar, a construção de uma nação deve ser um projeto levado a cabo coletivamente. A República (ou seja, a coisa pública), deve ser um conceito muito bem assimilado desde cedo, evitando a sobreposição ou o uso do público em benefício do privado.
VEJA TAMBÉM:
- Democracia brasileira: uma perspectiva para o futuro (artigo de Allan Menengoti, publicado em 4 de outubro de 2019)
- A nova república dos adesistas (artigo de Elton Frederick, publicado em 26 de maio de 2019)
- Na República, não há poder absoluto (artigo de Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr., publicado em 30 de março de 2019)
Enfim, que este pouco mais de um século de experiência republicana no Brasil e os seus vários sobressaltos tenham servido em alguma medida para nos conduzir a uma maturidade política e uma postura cidadã. Que as relações dentro do Estado e do governo, bem como entre os diversos personagens dentro da sociedade civil, vejam o ideário republicano tal como ele realmente deve ser visto: um espaço para o desenvolvimento e o bem-estar do povo por meio de suas instituições e suas leis.
Sérgio Ribeiro Santos é coordenador dos cursos de Licenciatura em História e Geografia (EaD) da Universidade Presbiteriana Mackenzie.