A mídia nacional está destacando que os vestibulares para cursos de medicina continuam sendo os mais procurados em todo o país. Milhares de pessoas de todas as idades que sonham um dia pertencerem a essa profissão tão fascinante submetem-se a cursos e provas extenuantes em busca de uma classificação.
No entanto, o Brasil vai iniciar o ano de 2008 com 172 escolas de medicina, somando no conjunto delas cerca de 17.500 vagas oferecidas nos diversos vestibulares. Essa quantidade de vagas sinaliza para em 2014 entregar à sociedade perto de 100 mil novos médicos. Ainda mais, só neste começo de século foram criados 71 novos cursos de medicina destes, seis nos últimos quarenta dias: quatro em Minas Gerais, um na Paraíba e outro no Rio de Janeiro.
Já somos o segundo país no ranking mundial de escolas médicas, perdendo apenas para a Índia, mas deixando para traz a China (com 150) e os EUA (com 126). Assim é de se pensar que o saudoso senador Darci Ribeiro tinha razão quando afirmou que "o Brasil é o único país no mundo onde as pessoas podem abrir uma escola como padaria ou açougue para ganhar dinheiro".
Um porcentual significativo das escolas em atividade não oferece a inafastável garantia de qualidade no ensino da medicina, o que prejudica os alunos levando-os a terminarem o curso sem as condições necessárias para o exercício da profissão.
Em muitos estados brasileiros já se ultrapassa em dobro a recomendação da OMS, que é de um médico para cada mil habitantes. Contudo, ainda existem muitos municípios sem médico para atender a população. Isto resulta de uma persistente e equivocada política de interiorização, não só do médico, como também de outros profissionais da área de saúde.
Tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei importantes buscando minimizar os efeitos dessa criação desordenada de escolas médicas e excesso de vagas. O PL65/2003, de iniciativa do deputado Arlindo Chinaglia (SP), proibindo a criação de novos cursos por dez anos, e o PL485/07 do deputado Frank Aguiar (SP), propondo a revogação de dispositivos da legislação que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação (LDB Lei 9394/96), para, com isso, proibir as universidades de criar novos cursos e fixar o número de vagas para alunos. Infelizmente, isto vai demorar. Ainda deve-se contar que os interesses contrários e fortes "lobbys" certamente farão tudo para impedir as respectivas aprovações.
Desta forma, entendemos restar apenas uma alternativa emergencial. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviar ao Congresso Nacional uma Medida Provisória proibindo a criação de novos cursos de medicina por três anos, para que, nesse espaço de tempo, uma Comissão de alto nível, formada por professores de notório saber, livres de influências políticas e econômicas, possa visitar e avaliar cada uma das 172 escolas baseando-se em requisitos mínimos, termos de condições e qualificação de ensino, e ao final elaborar um relatório com o resultado alcançado e as sugestões indicadas para o saneamento e ordenação do setor. Seria uma espécie de Projeto Flexner brasileiro, tão necessário neste momento.
Esta proposta pode ser comparada a "um vento que procura uma bandeira." Quem sabe o presidente Lula poderá empunhá-la. Se assim o fizer e ela for viabilizada, terá sido dado um passo significativo em busca da dignidade da medicina em nosso país.
Antonio Celso Nunes Nassif, doutor em medicina, foi presidente da Associação Médica Brasileira.