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Vamos começar o texto com um belo clichê: a vida é um eterno aprendizado. Falamos isso de coração, como um incentivo e também uma crítica. Apesar do avanço da participação feminina nas ciências, a disparidade persiste. Na Física, as contribuições femininas são escassas, com nomes como Marie Curie e Emily Noether surgindo à mente de prontidão.
Recentemente, descobrimos a notável contribuição de Cecilia Payne-Gaposchkin, uma mente brilhante que desafiou o status quo ao revelar a composição das estrelas, revolucionando a astronomia. Ela se autodenominou uma rebelde contra o papel imposto às mulheres, enfatizando que sua verdadeira revolta era contra a subestimação e o tratamento como inferior. Na sua triste e clichê história de superação quase cinematográfica, teve que enfrentar o ambiente machista. Sim, o ambiente acadêmico era machista e continua sendo e como exemplo, não é preciso ir muito ao passado: em meados dos anos 2000, escutamos na universidade que “a Física não é lugar de mulher, pois não havia capacidade cognitiva delas para aprenderem cálculo”. Felizmente, o cenário está evoluindo, a passos lentos, mas já temos uma evolução.
A história de Cecilia é uma fonte de inspiração para todas as mulheres que batalham por igualdade no campo da ciência.
A pesquisa de Cecilia é tão significativa que, se ela fosse homem, teria sido reconhecida como um dos maiores cientistas de todos os tempos, e muitos provavelmente já conheceriam o seu trabalho acadêmico. Em vez de louros, a descoberta de Payne-Gaposchkin foi contestada pela comunidade dos astrônomos, que achavam que ela estava errada. Apesar de sua importância, a descoberta dela foi ofuscada pelo machismo que dominava a ciência na época. Ela foi discriminada por ser mulher e teve que lutar para ser reconhecida por seus méritos.
Cecilia completou a “graduação” em Física e Química na década de 1920, na Universidade de Cambridge, que embora permitisse a participação de mulheres, ao final do curso, elas não eram tituladas. Ela se mudou para os EUA, em busca de melhores oportunidades e em 1923 chega ao Observatório de Harvard, que contava com uma prática “inclusiva”, empregando mulheres com contribuições significativas, mas sem o devido crédito. Cecilia chega em 1925 com a resposta para a composição estelar: material estelar é constituído de Hélio e Hidrogênio. Apesar das críticas, incluindo a forte objeção de Henry Russel, um astrônomo proeminente na época e que a desencorajou de investigar a composição solar – contradizia a crença predominante de que as estrelas tinham a mesma composição que a Terra – a história tomou um novo rumo em 1929. Foi nesse ano que Russell creditou a Payne a descoberta de que o Sol possuía uma composição química diferente da Terra. Sua tese foi considerada por muitos a mais brilhante já produzida, no campo da astronomia.
Apesar de visível genialidade, Cecilia continuou enfrentando obstáculos em Harvard. Entre 1927 e 1938, foi assistente técnica de Harlow Shapley, o diretor da época, mas não obteve um cargo oficial. A declaração de Abbott Lowell, presidente de Harvard, reforça a presença do machismo, ao jurar que ela nunca teria uma cátedra, enquanto ele estivesse vivo. Mesmo após a presidência de Abbott, o machismo persistiu, com Cecilia ocupando uma cadeira oficial, mas não de professora ou pesquisadora. Somente na década de 1950, ela assumiu a cadeira de professora e posteriormente, chefe do departamento de astronomia de Harvard – a primeira mulher, obviamente. Aposentou-se em 1966, embora ainda ganhasse menos que seus colegas homens, evidenciando a persistente disparidade salarial, baseada no gênero.
A carreira de Cecilia serve como lembrete de que a ausência de mulheres na ciência ao longo da história, não é reflexo de uma falta de habilidade ou entusiasmo, mas sim à misoginia histórica arraigada na sociedade. Apesar do seu trabalho brilhante e fundamental para a astronomia, foi o seu gênero que pesou mais, tendo que a levar à luta pelo devido reconhecimento. A história de Cecilia é uma fonte de inspiração para todas as mulheres que batalham por igualdade no campo da ciência.
Daniel Guimarães Tedesco é doutor em Física pela UERJ e professor da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas no Centro Universitário Internacional Uninter; Graziele Aparecida Correa Ribeiro é mestre em Ensino de Ciência e Tecnologia e professora da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas no Centro Universitário Internacional Uninter.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos