A diplomacia de Dilma deixa a impressão de reconstrução que retificou alguns erros da anterior, sem conseguir construir obra própria.
Era claro o que exigia correção: excesso de protagonismo, iniciativas temerárias em áreas distantes das prioridades do país, silêncio em relação a regimes violadores de direitos humanos, inspiração ideológica e sectária da política externa.
Certas mudanças vieram de fatos. A saída de um presidente carismático pôs fim ao protagonismo, enquanto a ruína da imagem internacional da economia brasileira impôs estilo diplomático mais sóbrio.
É mérito da presidente o retorno à defesa dos direitos humanos em situações como a do Irã. Também se deve a ela o esforço de redefinir a relação com os EUA em termos inovadores como o do programa Ciência sem Fronteiras.
Essa aproximação, que deveria culminar com a visita de Estado da presidente a Washington, foi vítima da espionagem da NSA. Não se pode censurar a decisão de suspender a iniciativa até que se restabeleçam condições políticas propícias.
A frustração de elemento importante como esse da reconstrução diplomática cria a sensação de um projeto em que se pôs abaixo parte do velho edifício sem edificar no lugar uma casa nova.
Da obra de demolição, resta intacta a ideologização da política sul-americana. A ela se acrescentaram monstrengos inéditos: a suspensão arbitrária do Paraguai do Mercosul como pretexto para precipitar o ingresso da Venezuela; o lamentável episódio do falso "asilo" ao senador boliviano Roger Pinto.
O que faltou edificar, porém, supera em muito o que ficou sem demolir. Esperava-se que uma tecnocrata objetiva como a presidente imprimisse à diplomacia a busca pragmática de resultados tangíveis. A colheita é magra: nada se fez para renovar o Mercosul, abalado por crise de credibilidade terminal. O relacionamento comercial com o principal parceiro no bloco, a Argentina, tampouco teve melhora.
A diplomacia perdeu a capacidade até de formular proposta para superar a crise do Mercosul. Não tem outro horizonte além de se agarrar a uma união aduaneira que naufraga sem que o Brasil proponha ao menos um plano para salvá-la.
A mesma falta de imaginação criativa se nota na ausência de um gesto decisivo em direção a países como o México e seus companheiros da Aliança do Pacífico --Colômbia, Chile e Peru.
Somente no apagar das luzes do governo se decidiu retomar negociações iniciadas há mais de dez anos para um acordo de livre-comércio com a União Europeia. Apesar de anunciada várias vezes, não se conseguiu definir até agora posição negociadora comum nem dar início efetivo às tratativas.
O que salvou a política externa de balanço constrangedor foi a reunião dos Brics em Fortaleza. A criação do banco de infraestrutura e do fundo de reservas veio da capacidade de construir consenso da diplomacia brasileira, ao custo inclusive da renúncia a ambições legítimas.
O resultado exemplifica o que teria sido possível obter se a mesma competência, despida de distorção ideológica, tivesse sido aplicada aos demais problemas.
Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.
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