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Uma reforma da Previdência meia-boca

60 senadores foram a favor da reforma da Previdência no segundo turno. (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

A reforma da Previdência aprovada no Congresso é “meia-boca”: não contempla todos os brasileiros, mais exatamente deixando de fora os militares e os funcionários dos estados e municípios – ou seja, falta muita gente. Obviamente, portanto, não é uma reforma; no máximo, é parte da reforma. O Brasil é um país sui generis: não existe no mundo, em especial em países desenvolvidos, uma reforma de Previdência parcial, que seja divulgada total e, ainda por cima, como a panaceia de todos os problemas econômicos.

Estamos muito acostumados com a filosofia de que reforma boa é a que passa no Congresso e não necessariamente a reforma ideal. Isso mantém o Brasil com seu estigma de vira-lata, como já diria Nelson Rodrigues, sem avanços estruturais na economia e o pior no bem-estar da população.

É importante que todos entendam que a estimativa inicial de economia seria de R$ 1,2 trilhão em dez anos, mas o que se conseguiu foram R$ 800 bilhões. Na prática, este valor não estará disponível; somente será economizado para minimizar o déficit. Por isso, não criemos a ilusão de que o governo terá este dinheiro para gastar em outras prioridades. Apesar disso, vende-se a ilusão, de forma equivocada, de que, com esta reforma da Previdência, o país terá credibilidade e garantias sólidas para avalizar os investimentos privados estrangeiros e nacionais e, assim, está tudo resolvido.

Vende-se a ilusão, de forma equivocada, de que, com esta reforma da Previdência, o país terá credibilidade e garantias sólidas para avalizar os investimentos privados

Mas temos de falar francamente, sem rodeios, com papo reto. O que foi feito é um avanço, sim. Digo até fundamental, em especial com a padronização da idade mínima e o teto máximo de valor para o setor público e privado, pois o que havia antes era um disparate. Este é o grande acerto desta etapa. Mas são acertos que servem apenas para o setor privado e o governo federal; o restante não entra nas mudanças. Portanto, a reforma parcial não garante segurança aos investidores por um motivo muito simples: se os estados e municípios quebrarem suas previdências, quem irá socorrê-los é o governo federal, pois no fim das contas os impostos são da mesma fonte. Temos, inclusive, vários estados já quebrados, então exemplo é que não falta.

Até teremos uma lua-de-mel de alguns dias, com dados positivos no câmbio e na bolsa de valores, que são termômetros, mas, como o problema está longe de ser resolvido, a tendência é de que em breve os índices voltem a oscilar negativamente, principalmente se o Congresso não fizer a lição de casa. É praxe, no país, superestimar a realidade, mas os investidores, no fim das contas, estão vendo o impacto real.

A lição de casa do Congresso é reformar as previdências de estados, municípios e militares. Já há no Senado a PEC paralela, que inclui estados e municípios, e na Câmara há a reforma da Previdência dos militares. Mas, pelo andar da carruagem, é possível que os projetos sejam aprovados – se forem mesmo – apenas no ano que vem. Afinal, se a tramitação for como a da reforma principal, este prazo pode se até estender além da conta. Já estamos perto do fim do ano, haverá recesso parlamentar e, como se diz no Brasil, o país só volta a trabalhar depois do carnaval. E, sendo otimistas e imaginando que ambos os projetos sejam aprovados no ano que vem, só teremos essas reformas vigorando em 2021; até lá, como fica a economia real e, em especial, os desempregados?

Otimistas ou realistas, precisamos ficar de olho nestas reformas. Não tenhamos ilusão sobre o excesso de corporativismo que será determinante na aprovação. É preciso fazer uma articulação política digna e não esta articulação vergonhosa feita até agora pelo governo, que foi o principal responsável pela aprovação parcial da reforma, ausentando-se de liderá-la, alegando que ela seria de responsabilidade do Congresso e se omitindo politicamente. Isso culminou nas alterações estruturais do projeto inicial, como o absurdo da exclusão dos estados e municípios, além da decisão prévia de não incluir os militares. A energia gasta pelo governo e até as concessões feitas no final, como no caso da cessão onerosa da Petrobras, deveriam ter sido feitas para aprovar a reforma completa.

O Planalto não esteve sozinho nessa: muitos governadores e parlamentares também foram omissos na tramitação, e temos de imputar-lhes a responsabilidade. Foi graças aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, que o processo andou; ficou parado, sim, em alguns momentos, mas, se eles não priorizassem a reforma na pauta, ainda estaríamos estagnados.

Temos um paradigma no Brasil, de que não se consegue fazer várias reformas ao mesmo tempo – pelo menos esta é a alegação dos políticos. Ainda faltam as reformas tributária, administrativa e mesmo o pacote anticrime de Sergio Moro, todas fundamentais. Mas, se a reforma da Previdência foi parcial e ainda teremos mais duas etapas (militares e a PEC paralela), as demais continuarão paradas; então, quando vamos resolver de fato nossas reformas e nossos problemas? No próximo mandato presidencial?

Só nos resta cobrar o governo e o Congresso, rezando para que os nossos representantes tenham bom senso.

Màrcello Bezerra é professor e economista.

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