A tristeza pela semana passada foi manifestada, no Pleno do Supremo Tribunal Federal, pelo ministro Marco Aurélio, no dia 18. Embora já houvesse maioria formada em contrário, ele entendia que a quebra do sigilo bancário sem autorização judicial era inconstitucional, e, no dia 17, o STF tinha fixado, sem unanimidade, que as decisões monocráticas de seus membros, afetando o direito à liberdade de ir e vir do cidadão, não poderiam ser atacados por habeas corpus, pela existência de agravo interno, a ser resolvido no âmbito das Turmas do tribunal. Também nessa mesma seção de julgamento, o tribunal entendeu que basta a confirmação de sentença condenatória pelo segundo grau de jurisdição, ainda que não esgotados os recursos cabíveis aos tribunais superiores e ao STF, para que o réu seja compelido a iniciar o cumprimento da pena de prisão. As três deliberações, embora a do dia 18 ainda dependa dos votos de alguns ministros, modificam radicalmente a posição do STF até então adotada, todas aferradas à letra da Constituição Federal. Diga-se de passagem que os novos entendimentos se firmaram com a maioria do colegiado, sem que o texto constitucional tivesse sido alterado de lá para cá.

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Assim, ao contrário do que afirmou o ministro Barroso na Ação Penal 470 (a do mensalão), não se trata de julgamentos fora da curva. Modificou-se a conformação da curva, com a composição do colegiado alterada significativamente nos últimos tempos. A sensação que passa é de que o STF, enquanto instância máxima do Poder Judiciário, pretende assumir o espaço dos demais poderes, notoriamente enfraquecidos no exercício de sua competência e atribuições e com forte rejeição popular, ampliando a máxima de que o STF, se antes podia muito, agora pode tudo.

A sensação que passa é de que o STF, se antes podia muito, agora pode tudo

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Pela repercussão, em plena Operação Lava Jato, o início do cumprimento da pena sem esgotamento dos recursos existentes foi o que dividiu a opinião dos operadores do direito. De um lado, aqueles que saúdam a decisão por ela representar um avanço contra a impunidade, diminuindo o tempo e o espaço de manobras para o cumprimento de condenação, além de servir como fator dissuasório para aqueles que porventura pretendam delinquir. Esses sustentam que, como os recursos aos tribunais superiores e ao STF só podem versar sobre questões de direito, não podendo cogitar de revisão ou reavaliação da prova, a materialidade e a autoria dos delitos já estariam devidamente caracterizadas e insuscetíveis de mudança. Invocam, também, ser o Brasil o único país do mundo que viabiliza quatro graus de jurisdição ao seu cidadão. De outro, os que se valem da máxima de que vale uma multidão de culpados livres a se ter um inocente condenado. Argumentam que 28% dos recursos que chegam ao STF implicam na modificação da condenação e que a liberdade de quem venha a ser absolvido, embora condenado e cumprindo pena, decorrente de condenação nas instâncias recursais ordinárias não é devolvida; no máximo, pode gerar danos materiais, passíveis de indenização.

A mudança da jurisprudência é instigante. A compreensão minoritária (até a semana que passou), ao se tornar majoritária, autoriza, ampliando o espectro da nova curva, repensar outros temas na área penal, sob a ótica do Direito Constitucional. Por exemplo, o princípio da igualdade não seria antinômico com o foro por prerrogativa de funções (caso, entre outros, de deputados federais e do presidente da República, nos crimes comuns, serem julgados pelo STF, enquanto instância única). Uma interpretação sistêmica poderia favorecer o princípio da igualdade, tanto para tornar os privilegiados mortais comuns, como permitir-lhes usufruir das possibilidades que a esses o ordenamento jurídico penal confere. Dir-se-á que a regra do privilégio de foro está expressa na Constituição, servindo como exceção ao outro. Ora, como o texto constitucional pode ser conformado, como o foi o de que ninguém pode ser condenado e cumprir pena sem o trânsito em julgado da sentença, não vejo nenhum óbice a que se chegue até a relativização do tal privilégio, porque, como já disseram alguns ministros, eles é que detêm, por último, a prerrogativa de acertar ou errar nas questões judicializadas.

Finalmente, a semana triste nos contemplou com dois fatos significativos para se entender o STF: o pedido de retirada da pauta, pelo relator, do voto pelo recebimento ou não de denúncia contra o presidente do Senado Federal; e a liberação para pauta do voto a respeito da instauração ou não de ação penal contra o presidente da Câmara dos Deputados.

Derocy Giacomo Cirillo da Silva é procurador da República aposentado.