Sabemos, sim, que há muitos interesses comerciais por trás da adoção inveterada e irresponsável de tecnologias e serviços digitais pelas grandes companhias. Mas há uma pergunta que não quer calar: quem é dono do “tema digital” nas empresas? Assim como o RH é “dono” do tema funcionário, a área financeira é “dona” do assunto dinheiro, quem é o “dono” do digital? Quem toma as decisões? Quem é obrigado a saber para onde ir e como ir, o que comprar e o que deixar passar? É modismo ou não serve à nossa empresa?
E, por constatação óbvia, descobri que, assim como ocorre para o cliente, a questão digital não tem "dono” empoderado nas empresas. Ou melhor, tem vários donos, o que é tão ruim quanto. Vejamos a quantidade de “C’s”: CEO, CIO, CTO, CMO, CCO, CDO, COO, CHRO... cada qual tem seu quinhão, sua visão particular e sua prioridade em relação ao assunto.
Para se ter uma ideia, descobri, por exemplo, que 82% dos apps corporativos são irrelevantes e “morrem” em até seis meses. Outras descobertas: parte das operações de e-commerce não produz “resultado relativo relevante”, as redes sociais mais produzem perda de produtividade e risco reputacional do que retorno de alguma forma. Também veio à tona que as startups, aqui, especialmente as voltadas ao universo corporativo, mesmo com alguns anjos apoiando, ainda são, em sua imensa maioria, mais start do que ups, uma vez que ainda (cada vez menos) são largamente modelos “me too” de americanos, chineses e israelenses e que raramente conseguem conquistar e entregar contratos relevantes com grandes clientes, de maneira recorrente.
Estamos doentes pelo novo, mas não sabemos qual novo, porque perdemos quase todas as referências
Outro ponto intrigante foi perceber que as grandes empresas confundem absurdamente digital com inovação, como se toda inovação fosse digital. Ou, pior, como se tudo que é digital fosse inovador. São dois enormes enganos que não param de pé ao menor esforço de análise da realidade. Vimos uma profusão de labs, fundos corporativos, coworkings, squads e uma infinitude de modismos da inovação absorvidos por essas empresas e seus colaboradores, sem, contudo, haver real mudança de chassis tecnológicos, modelo de investimentos e gestão de projetos, mindset decisório e cultura corporativa, modelo de gestão e incentivos/compensation, dentre outros instrumentos básicos.
Encontrei muitos “velhos executivos”, novos e velhos, com novíssimos jargões e vestimentas, como se estivessem indo, todos os dias, trabalhar nos jantares inteligentes do Pondé. Vi, para minha alegria, muitos preferindo continuar sem graça, como eu. Vi também make-ups arquitetônicos e de discurso de dar inveja, pois a embalagem é importante, tanto a física quanto a de comunicação.
Encontrei jovens executivos que não se enxergam como executivos, exceto pelo contrato de trabalho e salário que religiosamente recebem, perdidos na suposta aura do “sou millenial, sou brilhante, tudo posso, tudo sou”, mas pouquíssimas inovações relevantes e funcionando por eles produzidas. Falta de apoio? Excesso de apoio? Falta de estudo e experiência? E, pior de tudo, muita gente pensando em lacrar, mais do que em suar, construir, produzir, deitar e dormir. Vi muito dinheiro indo para o lixo e muito tempo sendo desperdiçado ou a ser desperdiçado.
Concluí que estamos doentes pelo novo, mas não sabemos qual novo, porque perdemos quase todas as referências. Viramos líquidos, instantâneos, cool e conectados, mas perdemos a essência. Somos líquidos corporativos em busca de uma inovação que nos torne concretos, mas com a grife de inovadores digitais. Somos todos empreendedores, mas não queremos empresariar porque dá trabalho e isso é coisa de gente analógica. Afinal, nos dias de hoje, empresa é feita para vender e não para produzir riqueza a partir do suor e da inteligência combinados dia após dia.
E o que achei de fato nas empresas? Bem, isso fica para uma próxima oportunidade...
Daniel Domeneghetti é especialista em práticas digitais no relacionamento com cliente e CEO da E-Consulting Corp.