O breve percurso histórico dos blocos econômicos já tem ensinado que algumas soluções só podem emanar do concerto entre países que se propõe à integração de suas economias
Em conferência na Sorbonne, em julho de 2005, na abertura do Ano França-Brasil, a afirmação do presidente Lula de que as vacas europeias eram mais subsidiadas e protegidas do que as crianças africanas foi contundente. Como pano de fundo do discurso, estava a exortação para que a Europa revisasse sua política agrícola protecionista, a permitir o acordo de livre-comércio com o Mercosul. Vale dizer, a permitir a construção de vasto bloco birregional, com mais de 700 milhões de habitantes, e com possibilidades ilimitadas de cooperação política, de fluxo de comércio e de prosperidade comum.
Entravadas por queixumes recíprocos de incompreensão e de birra burocrática, desde 1995 os dois blocos discutem de forma estéril a liberalização comercial, apesar dos elogios mútuos e dos decantados laços históricos, culturais e econômicos. Deste lado do oceano, o Mercosul é fato irreversível, a consolidar-se em comércio e investimentos dentro dos limites do possível. Para além das críticas infundadas de seus detratores desinformados, é no seio do bloco regional que o Brasil encontra seu maior parceiro comercial, a Argentina, a primeira de quem compra, acima dos Estados Unidos, e a segunda para quem vende, apenas atrás da China. Agora, a boa performance da economia brasileira alavanca a sub-região, com ventos de prosperidade em todos os quadrantes, inclusive na bacia platina, onde o novo presidente uruguaio José Mujica normaliza as relações de seu país com a Argentina. Com isso, o Mercosul institucional também poderá avançar, com mais comércio e vantagens comuns, sem o lado ruim das políticas locais, ainda enredado na demagogia nacionalista de poucos insensatos.
Quanto à Europa, criadora dos blocos econômicos, depois de décadas de avanço, com partilha de soberania e moeda comum, não são ventos amenos que sopram, senão a ameaça de furacões financeiros e de crises sociais de grandes proporções. Contaminado pela falência da Grécia, o euro despenca e traz a necessidade de austeridade e de cortes de salários, bem no continente que inventou a greve e o sindicato. As perspectivas não são boas, e países como a Espanha e a Itália, com índices brutais de desemprego, buscam formas urgentes de reequilibrar finanças e de sanear contas públicas.
O breve percurso histórico dos blocos econômicos já tem ensinado que algumas soluções só podem emanar do concerto entre países que se propõe à integração de suas economias. Talvez seja o momento para os Estados europeus, e a França em particular, a mais recalcitrante em rever o protecionismo, repensarem seus fantasmas, a permitir negociações abertas e sem agendas proibidas. Assim, o Mercosul também estará motivado a rever seu protecionismo industrial e a superar a descordenação de suas instituições, reflexo de profundas assimetrias que o permeiam.
A recente visita do presidente da Comissão Europeia Durão Barroso a Brasília e o início da Presidência brasileira do Mercosul sinalizam para possíveis avanços. A Europa desarma a pose que o euro forte lhe conferia, a descobrir desatinos que pareciam exclusivos de países em desenvolvimento. As economias do Cone Sul, por seu turno, dinamizam-se em mercados promissores, sem sacrificar a democracia, o respeito aos direitos humanos e a regulação ambiental e trabalhista. Nada a comparar com a predação injusta e voracidade sem leis da economia chinesa. Por conseguinte, a formação da maior zona de livre comércio do mundo, unindo a Europa ao Mercosul, é chance formidável, em meio a momento de grande necessidade. Estevão de Rezende Martins, que tem desenvolvido estudos na UnB sobre as relações externas da União Europeia, costuma ensinar que não se nasce em mundo vazio de história, lição que parece desconsiderda pela diplomacia de Bruxelas em suas negociações internacionais.
E também é a história que ensina: a Europa sempre sai mais forte de suas crises. No presente contexto, se sair com o Mercosul, será ainda maior, consolidando relações seculares e recuperando a vitalidade perdida, para renovar-se no sangue miscigenado e nos vícios e nas virtudes dos novos parceiros. De fato, a história prescinde de reinvenção.
Jorge Fontoura, doutor em direito, é professor titular do Instituto Rio Branco e membro do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul.
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