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Uma vez mais o Acordo UE-Mercosul, firmado em 2019 e ainda a depender da ratificação de todos os Estados-membros, volta a ser manchete de jornais, com manifestações favoráveis, designadamente da Alemanha, dos Estados ibéricos e nórdicos, mas também contrárias, sobretudo por parte de França, Países Baixos e Áustria, incluindo certas ONGs que exigem mais requisitos ambientais a quem quer negociar com Bruxelas. Isso pode ser considerado um dilema que se incrusta com real risco de paralisação do acordo, apto a consolidar megabloco responsável por 25% da economia global, com a participação de 780 milhões de habitantes.

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Jorgo Riss, diretor do Greenpeace Europa, justificou a recente escalada de ativistas na imponente sede do Conselho da UE, sob o argumento de que "o mundo está a pegar fogo e os governos estão a deixar arder". Muita tinta já correu por causa da desflorestação da Amazónia e do alegado descumprimento do Acordo de Paris, que colocariam os parceiros do hemisfério sul em posição mais frágil. Todavia, parece haver uma vontade manifesta de pôr água na floresta, com uma adenda sobre compromissos ambientais que está a ser negociada. O objetivo é superar este obstáculo e abrir caminho para a via crucis da ratificação, pese embora a dificuldade (incompreensível) em acertar os termos da Declaração final da próxima Cimeira UE-CELAC não augure ainda o sucesso pretendido.

É quase certo de que seja esta a derradeira oportunidade para forjar uma convergência de interesses entre a União Europeia e o Mercosul.

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Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia que o fornecimento de cereais, de fertilizantes e de energia tornou-se crítico em vários continentes, da Europa à América, com preocupação acrescida em África. O celeiro do mundo tem conseguido escoar os cereais a partir de um acordo de exportação muito vulnerável, sob mediação da Turquia e da ONU. Lembre-se que o Estado agressor tem se servido deste acordo, a cada renovação, para chantagear a coligação de países ocidentais, tentando desta forma abrandar as sanções económicas que lhe vão sendo impostas. O fracasso do acordo de exportação de cereais pode gerar uma crise famélica de proporções catastróficas, em pleno Século XXI. É inaceitável ver o mundo regredir em tantas frentes já tidas como conquistas consolidadas.  Porém, José Saramago já dizia que “nada é para sempre, mas há momentos que parecem ficar suspensos, pairando sobre o fluir inexorável do tempo”.

Portanto, é urgente diversificar mercados, na busca de outros celeiros agrícolas, de recursos energéticos e minerais. E o Mercosul voltou à berlinda, como alternativa à Europa unida. Diz o ditado que um cavalo não passa encilhado duas vezes, mas diante dessa instabilidade geopolítica que fez estremecer as placas tectónicas das grandes potências, a janela de oportunidades sofreu um abanão e abriu uma fissura.

Um acordo económico deve, por princípio, ser vantajoso para todas as partes. Entretanto, no contexto atual, é necessário olhar para além da economia. Ir ainda mais e buscar casamento que entrelace interesses económicos com valores comuns, que respeite a democracia, o Estado de direito, o direito internacional e os direitos humanos. Infelizmente, parece haver parceiros que geram alguma desconfiança quanto à verdadeira partilha de valores fundamentais, esculpidos há décadas, como a livre iniciativa, a dignidade da pessoa humana, a concorrência leal, a paz, e mais recentemente, o desenvolvimento sustentável, a proteção das mulheres e das minorias, entre outros.

O segundo semestre de 2023 traz a expetativa de que o acordo UE-Mercosul saia definitivamente do papel, com a referida Cimeira UE-CELAC, a realizar-se em Bruxelas, em meados de julho, durante as presidências semestrais brasileira do Mercosul e espanhola da UE. Contudo, a reviravolta que poderá ocorrer com as eleições gerais em Espanha, marcada para 23 de julho, deixa em suspenso esse relevante apoio, que já se dava por adquirido.

Não querendo fazer exercício de premonição, é quase certo de que seja esta a derradeira oportunidade para forjar uma convergência de interesses. Em 2024 haverá troca de cadeiras na UE, com eleições para o Parlamento Europeu e formação de novo executivo europeu, correndo-se o risco de todo o trabalho de duas décadas voltar à estaca zero, como já aconteceu em 2004, quando, por uma unha negra, o acordo não foi aprovado. As perspectivas eleitorais, quer as do hemiciclo europeu, quer francês, sem esquecer a incerteza das eleições em Espanha e na Argentina, não são de molde a facilitar este acordo, bem pelo contrário. Ora, ainda há muito por escavar, mas se houver determinação e vontade política, chegaremos em breve ao fim do túnel. Já não era sem tempo!

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Elizabeth Accioly é professora associada da Universidade Europeia. Autora do livro “Mercocul e União Europeia – Estrutura jurídico-institucional (Ed. Juruá).  

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]