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Universidade: autonomia, liberdade e dever

 | Olivia Baldissera/Gazeta do Povo
(Foto: Olivia Baldissera/Gazeta do Povo)

A autonomia é quase um atributo natural das universidades, notadamente se mantidas com recursos públicos. Não parece saudável que a geração do conhecimento e o debate de ideias fiquem sujeitos a influências políticas e administrativas externas. A autonomia assegura a liberdade e a inexistência de patrulhamento externo.

Ótimo. É bem o que penso. Quanto maior a liberdade no espaço acadêmico, mais propício será o ambiente às nobres atividades que nele se desenvolvem amalgamando interpretações, saberes, meios e fins. Como desconhecer isso? Como desconhecer que a educação universitária, nascida nas catedrais e mosteiros medievais, antecedeu o Estado nacional? Sim, é bom que a universidade tenha autonomia.

A responsabilidade moral deve acompanhar a nobreza e imenso valor da atividade acadêmica

Não obstante: 1) Ao formalizar seu fundamento na letra da Constituição, a autonomia universitária se transforma em concessão da soberania exercida pelo poder constituinte, que lhe determinou os contornos. Eles são explicitamente didático-científicos, administrativos e de gestão financeira e patrimonial. 2) Ao precaver-se contra o patrulhamento externo, não pode a universidade valer-se da autonomia para acolher o patrulhamento interno, docente ou discente, em prejuízo do pluralismo que lhe é inerente. 3) Se os fins da universidade precisam da liberdade e a liberdade é subproduto da autonomia, parece importante ter em grande conta que liberdade não é sinônimo de caos, de falta de rumo ou perdição, de insensatez ou futilidade, de inconstância ou oportunismo.

Bem ao contrário. Tamanha dádiva, se não no terreno legal, ao menos no moral, cobra equivalente responsabilidade! Toda consciência bem formada sabe que os produtos da liberdade exercida sem responsabilidade são inços e vícios que a sufocam.

Em outras palavras, quando falamos em autonomia universitária, estamos distantes do que vi e ouvi quando diversas universidades federais serviram de comitê de campanha para o candidato petista à presidência da República. Na sessão do STF que deliberou sobre as ordens judiciais de busca e apreensão nesses locais, o discurso unânime dos senhores ministros fez soar sobre a autonomia universitária louvores e trombetas que, de hábito, são ouvidas nas proclamações de soberania e nos atos de coroamento. Não parece ser o caso.

A autonomia não serve para tudo, não tolera tudo. Campanha eleitoral nada tem a ver com liberdade de cátedra, finanças, gestão e patrimônio. E o mesmo se poderia dizer de outros abusos que se resguardam sob o mesmo guarda-chuva. Tenho, em arquivo, centenas de narrativas de leitores. A responsabilidade moral deve acompanhar a nobreza e imenso valor da atividade acadêmica. Esta, porém, emite insistentes sinais de que sua autonomia vai se transformando em valhacouto para correntes internas interessadas em controlar essa liberdade, e estabelecer hegemonia de pensamento. Falemos com clareza: o aparelhamento dessas instituições, no Brasil, se tornou motivo de escândalo. E as correntes que o promovem brigam, ferozmente, para preservá-lo, em nome da... liberdade. Liberdade, sem responsabilidade, dá nisso. Hegemonia e patrulhamento redundam em sumária ocultação de autores divergentes; o gulag e o bullying espreita quem destoa. Autonomia de gestão e finanças, mal exercida, acaba em incêndio no Museu Nacional.

Como ensinou Lord Acton, com palavras melhores: “Quanto maior seja a força do dever, maior será a liberdade”.

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