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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Os gregos tinham a Ágora, o espaço público que todos os cidadãos podiam frequentar como iguais, mesmo que uns fossem mais ricos que outros. Foi uma grande invenção: podia ser bem nascido, podia ser abonado, mas, se fosse cidadão, teria direito à voz. Isegoria, o direito de falar sem ser interrompido e, assim, dar a sua contribuição para a busca de consenso. Peça-chave da democracia. É fato que a realidade de fora da Ágora fosse a desigualdade e, nas relações privadas, a origem social e o poder econômico tivessem um peso dominante. A res pública, porém, era discutida no seu âmbito próprio e, se ali alguém se destacasse em demasia, prejudicando a isonomia, votava-se para afastá-lo da Assembleia.

Essa é a lição dos antigos. A democracia não é o conforto do lar nem a placidez do clube. A democracia é como um elevador cheio de gente. Ninguém está plenamente satisfeito, mas, se todo mundo cooperar e mantiver o mesmo nível de respeito e civilidade, todo mundo vai para onde quiser, sem prejudicar ou impedir os outros. Na nossa República, inaugurada por um golpe militar, dado de madrugada, ao arrepio do conhecimento da população – que viu tudo “bestializada” –, há público, mas não há povo, como bem disse Lima Barreto.

A democracia não é o conforto do lar nem a placidez do clube

O Estado republicano sempre teve dono, essa é a síntese do nosso país. As autoridades nunca foram o Sr. Povo, de onde deveria emanar todo o poder. Os arranjos por cima garantiram que as políticas públicas só fossem elaboradas por quem pudesse pagar por elas. E as reações cívicas, republicanas – isto é, populares –, foram reprimidas duramente pelas forças armadas pagas pelo erário para manter o público longe do erário.

Depois veio a ideologia. Ser popular tornou-se ser de “esquerda”. Os valores “corretos” para o país amalgamaram-se com os valores dos que mandavam no país. Até o espírito “pacífico e ordeiro” do povo foi-lhe impingido pelos mandatários: “seja pacífico ou apanhas!”

De público sobraram tão poucos espaços. A universidade é, sem dúvida, o mais importante deles. Ali, como quase mais em nenhum lugar, ainda o que vale é a busca pelo conhecimento, a pesquisa, o saber, as soluções que servem ao público, ao país, às próximas gerações. Ali, um corpo docente e funcional, concursado, segue um plano de carreira e troca recursos por serviços prestados e comprovados. Ali, as ideias conflitam e cotejam-se, formando as cabeças bem feitas de que falava Montaigne. Ali, há os ricos, os remediados e os sem remédio. Não lhes chamam por esse nome, mas sim “universitários”. A utopia do todo, do imenso, do grandioso, do compartilhado (universo!) ali se materializa.

Quem paga mais, leva menos: Sim à cobrança de quem pode pagar (artigo de Anamaria Camargo, mestre em Educação, diretora do Instituto Liberdade e Justiça e líder do projeto Educação Sem Estado)

Os gregos inventaram o mito de Teseu, do Minotauro e de Ariadne. Um fio de confiança permitiu ao herói sair do labirinto depois de matar o monstro e salvar seus compatriotas. Um fio de confiança foi o suficiente para que uma civilização não perecesse diante da besta que engolia jovens sem pudor ou remorso. A universidade pública é esse fio. Mantê-la como é, pública, gratuita, indiferente às diferenças que enfeiam ou embelezam as pessoas, é o seu grande mérito. Lá dentro, só uma coisa interessa: dar voz a todos, ouvir a todos e buscar, junto com todos, saídas para nossa polis. Saídas comuns, coletivas. De elevadores sociais e “de serviço”, nossa República já está farta.

Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor no Curso Positivo.
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