Em 1974, o grande economista Edmar Bacha cunhou o termo “Belíndia” em uma fábula com objetivo de criar uma metáfora sobre o Brasil, nos ditos anos de ferro. A crítica tinha o objetivo de mostrar que não poderíamos usar os dados do milagre econômico da época, de 10% de crescimento de PIB ao ano, sendo que o país tinha um aumento de pobreza e desigualdade econômica. Belíndia é o país que possui leis e impostos da Bélgica, com tamanho e pobreza da Índia.
Décadas se passaram da sacada de Bacha, Brasil e Índia melhoraram seus indicadores e se tornaram membros dos Brics, grupo de países em desenvolvimento, com grande potência econômica mundial. Lá e aqui, a população parece ter o DNA empreendedor, capaz de superar dificuldades e criar oportunidades para o crescimento. Mas, com todas as características que nos unem, quero destacar uma que está de certa forma implícita, que somente quem trabalha duro todos os dias consegue sentir: a existência de castas.
As castas indianas são grupos hierárquicos que dividem a população hindu, conforme o livro milenar Manusmriti, em quatro categorias principais, mas que atualmente já passam das 3 mil subcategorias. Aqui no Brasil, também temos nosso livro que criou nossos abismos sociais: a Constituição de 1988. Já tive a oportunidade de escrever aqui sobre como servidores públicos federais são detentores de diversos privilégios; contudo, tudo poderá mudar, caso a reforma administrativa tenha sucesso.
Para tanto, é preciso que o texto constitucional seja alterado. A única forma de tal alteração ocorrer se dá pela tramitação de uma PEC, com rito muito bem definido no regimento do Congresso Nacional. Existe muita pressão para que não ocorram as perdas de privilégios? Sim, e faz parte do processo democrático que todos possam participar, conforme o que está previsto na Constituição.
O que está sendo dito pelos representantes dessas categorias é uma retórica que não tem sustentação, reforçando mais ainda a justificativa da busca pela manutenção de privilégios.
Porém, existem categorias de servidores públicos federais que estão apontando inconstitucionalidade neste processo da PEC da Reforma Administrativa: juízes e membros do Ministério Público. Estes invocam o texto constitucional, especificamente o artigo 93, que aponta a atribuição exclusiva do STF em alterações no estatuto da magistratura. Porém, aqui existe uma pegadinha: a Constituição fala de “Lei Complementar que disporá sobre o Estatuto da Magistratura”. Assim, após a aprovação da PEC e sua conversão em emenda constitucional, caberá ao STF propor nova lei complementar que adeque o Estatuto da Magistratura às novas regras constitucionais em vigor.
O que está sendo dito pelos representantes dessas categorias é uma retórica que não tem sustentação, reforçando mais ainda a justificativa da busca pela manutenção de privilégios que, nestes casos, são maiores que os privilégios das carreiras dos demais poderes, como férias superiores a 30 dias e aposentadoria compulsória como punição para magistrados e membros do MP.
Caso os juízes e membros do Ministério Público fiquem de fora da reforma administrativa, teremos de rever o termo “Belíndia” e ficar com “Bíndia”, pois até o sistema de castas teremos de forma oficializada em nossa nação, tornando vã a premissa constitucional de que somos todos iguais perante a lei.
Adriano Paranaiba é diretor acadêmico na Mises Brasil.
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