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Entendida a cidade como um agrupamento de pessoas e atividades humanas, isto é, dentro de uma visão antropológica e seguindo a classificação proposta por Edmond Leach (Rethinking Anthropology, 1964) ainda geralmente aceita, apesar da dificuldade existente de sistematizar um conjunto de linhas de aproximação tão diversas, as três grandes linhas que fundamentam as pesquisas urbanas contemporâneas podem ser agrupadas em: 1. teorias estruturalistas; 2. teorias funcionalistas; 3. teorias simbolistas.

Enquanto as intervenções urbanas do final do século XIX estavam inseridas no conceito estruturalista (tais como o Anel Viário de Viena, os Grandes Bulevares de Haussemann em Paris, os Planos Agache do Rio de Janeiro e de Curitiba) e o movimento modernista que se desenvolveu na metade central — 1925 a 1975 — do século XX se apoiou firmemente no conceito funcionalista (as propostas da Cidade Radiente de Le Corbusier, o Plano Doxiadis para o Rio de Janeiro, o Plano de Lúcio Costa para Brasília), vem sendo crescente a percepção que o futuro das cidades depende basicamente da visão que os seus habitantes têm delas, isto é, passa a ter preponderância o elemento simbólico (Curitiba parece ser um bom exemplo disso).

Neste sentido, não cabe mais só fazer-se intervenções do ponto de vista estrutural, rasgando vias rápidas, túneis e viadutos (visão física), ou se estabelecer normas rígidas disciplinando a localização das atividades urbanas, com o zoneamento segregador — das funções de habitar, recrear o corpo e o espírito, e sobretudo trabalhar (visão econômica) — dos Planos Diretores, mas torna-se necessário entender a cidade holisticamente, principalmente criando situações nas quais o ser urbano compreenda melhor sua cidade, se identifique com ela, orgulhe-se e cuide dela, enfim, pratique sua cidadania (visão holística).

Convém lembrar que direitos civis têm sua origem etimológica na mesma raiz de cidade (civis, civitatis no latim), e também cívico, civilização, civilidade etc., ao mesmo tempo que urbanidade (ou seja, o trato afável e educado entre concidadãos) vem da outra raiz latina para cidade (urbs), diferente da palavra que designa a cidade grega concentradora de pessoas e funções (polis) que originou política, mas que volta ao mesmo ponto de origem: a identidade urbana é o fundamento da cidadania (ou será o vice-versa?).

Nesse conceito cabe ainda agregar a noção de cultura, pois, como explicou Perry Anderson na sua conferência sobre "O fim das utopias — Os dilemas da civilização no final de século": "Originalmente, cultura é o que vem do campo, dos camponeses, enquanto civilização é o que vem da cidade, do mundo urbano. Atualmente, civilização e cultura passam a ser distintas de um ponto de vista principalmente geográfico: civilização diz respeito a grandes regiões (a civilização européia) e cultura vai representar o local, o pontual (a cultura curitibana)". Ou como dizia Max Weber: "A cultura faz toda a diferença".

Ou ainda, com define o sociólogo Emir Sader: "O cidadão é o homem urbano. A cidade se confunde com a educação, a cultura, a elegância. A ponto que urbanidade vem do latim "urbs" e polidez da palavra grega "polis".

Por último, como diz o historiador Joel Rufino dos Santos: "Para usar a expressão de Maffesoli, nossa época tem um estilo estético — como a medieval teve um teológico e a moderna um racional. A inserção e a identidade se dão pelo visto e pelo sentido. Não adianta deplorar isso. É a época das tribos, das energias comunitárias, do silêncio que significa, do corpo que fala. Há muita idealização e frescura nessas noções, é claro. Como nas de globalização, cibernetização etc. Mas há, por baixo desses nomes, fatos objetivos da história contemporânea".

Lembro-me de Curitiba ainda na década de sessenta, quando do fechamento ao desfile dos carros da Rua Quinze de Novembro, ressurgida como Rua das Flores para os pedestres. Logo a população tornava-se cúmplice dos urbanistas e exigia tratamento das fachadas dos prédios antigos ao longo desse novo footing. Em pouco tempo, idéias de novos equipamentos como teatros e museus, de mobiliário e de parques urbanos saíam dos gabinetes e eram implantadas com o entusiasmo de todos os curitibanos. Estava definida a trajetória de sucesso das propostas de melhoria da qualidade urbana, que fez Curitiba encimar todas as listas de melhores cidades brasileiras para se viver.

Demonstrou-se que, antes de ser um laboratório, a cidade representa um ato de vontade para o qual concorrem o governante, o urbanista e os cidadãos em busca da construção de um micromundo melhor. Que me perdoem os seguidores das várias correntes do pensamento urbanístico que não concordarem, mas acho que o único caminho para o urbanismo é trabalhar o espaço urbano de modo sempre inovador.

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