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Urge aprimorar a cultura da prevenção aos desastres no Brasil

Porto Alegre inundada após as fortes chuvas que atingem o Rio Grande do Sul. (Foto: EFE/Sebastião Moreira.)

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Diferente dos terremotos, os tufões, as grandes tempestades, as ondas de calor e de frio estão no rol dos eventos naturais previsíveis. E todos eles, agora incluindo os terremotos, agem desde sempre, mesmo antes de a espécie humana estabelecer-se no Planeta Terra. Não deixar qualquer um deles transformar-se em desastre é papel do homem, porém, sabemos que isso não acontece como regra geral, mas como exceção. Também reconhecemos a existência de uma linha perversa separando nações com tecnologias avançadas e grande poder econômico para dar respostas efetivas diante de situações emergenciais e de prevenção de desastres, daquelas onde faltam recursos de toda ordem e a vulnerabilidade se amplia.

Um país que se coloca como a oitava economia mundial, leia-se Brasil, deveria contemplar seus habitantes com segurança no mínimo satisfatória contra as ameaças naturais, contanto com um programa de prevenção de desastres eficaz. Porém, isso não vem acontecendo a contendo: em janeiro 2011, na região serrana fluminense, foram cerca de mil mortos; em maio de 2022, no Grande Recife, 130 mortes; em fevereiro de 2023, no Litoral Norte de São Paulo, 64 mortos. Nesses casos, a maior parte dos danos materiais e das perdas humanas resultou de deslizamentos de encostas por estarem as pessoas vivendo em zonas de alto risco, o que não é aceitável.

É surpreendente defrontarmos com as dimensões da catástrofe que aflorou no sul do país. Poderia ter sido menos impactante? O alcance da prevenção deixou a desejar?

Difundir profundamente a cultura da prevenção de desastres deveria ser programa do Estado brasileiro nas três esferas administrativas, municipal, estadual e federal. Falar de prevenção significa estabelecer diferentes e eficientes sistemas de monitoramento, mapear zonas de riscos, aprimorar a comunicação, conscientizar a população do perigo, criar mecanismos de alertas precoces, enfim, preparar-se para o pior diante das incertezas.

A terceira palavra citada no início deste artigo foi terremoto, um fenômeno que raramente trás consequências sérias ao Brasil por sua situação geológica privilegiada, isto é, estar distante dos limites das placas tectônicas onde os tremores são maiores e mais constantes. Mas a história mundial já mostrou que mesmo no interior das placas tectônicas surgem terremotos raros, fortes e extremamente danosos. Portanto, existe um perigo latente que não pode ser menosprezado, mesmo entre nós, onde os tremores situam-se num patamar de risco muito, muito inferior aos eventos relacionados ao tempo e ao clima que nos afetam com maior frequência.

A página inicial de meu último livro, publicado no ano passado diz: “Pequenos tremores de terra ocorrem pelo Brasil com certa frequência, indicando padrão sísmico sereno, porém mutável. Neste cenário, um raro, fortuito e até desastroso terremoto é possível de acontecer”. Tais palavras não são vazias, pois já registramos sismos com magnitudes da ordem de 6 e estudos históricos apontaram eventos bem maiores, todos com potencial para fazer estragos consideráveis e muitas vítimas se ocorressem em zonas densamente povoadas. Relembro que em 1986 a pequena cidade de João Câmara (RN), viu-se atacada por uma longa série de sismos de magnitudes não tão grandes, resultando 26 mil desabrigados e mais de 4 mil construções danificadas.

Com o avanço da tecnologia da informação, as facilidades de comunicação, os conhecimentos de engenharia e de geologia e os recursos financeiros, mesmo ditos escassos, é surpreendente defrontarmos com as dimensões da catástrofe que aflorou no sul do país. Poderia ter sido menos impactante? O alcance da prevenção deixou a desejar?

Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) merecem a reflexão de todos nós: cada dólar investido na redução e prevenção de riscos pode poupar até 15 dólares na recuperação pós-desastre. Em qual fase você acredita ser melhor aplicar o dinheiro do contribuinte? Sob qualquer circunstância, reduzir o impacto do desastre e preservar vidas deve ser o objetivo maior.

Alberto Veloso, professor aposentado da UnB, foi o criador do Observatório Sismológico da instituição. É autor de livros de sismologia e divulga esta ciência no canal Youtube Terremoto Veloso.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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