| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A relação entre tecnologia e políticas públicas é histórica. Sempre que a criatividade humana foi ou é posta à prova, a inovação se apresenta e traz, via de regra, resultados úteis à sociedade e ao poder público. Naturalmente, esses inventos são aplicados ao bem-estar dos cidadãos, como ocorreu com a eletricidade, telefonia, aviação e internet.

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Hoje, uma nova fronteira tecnológica tem sido muito utilizada pelo poder público para o desenvolvimento de suas políticas: as imagens de drones e de satélites. Elas são usadas para fiscalizações do território, como o monitoramento climático, de queimadas florestais, adensamento urbano, preservação de estradas, florestas, entre outras aplicações.

Bebendo na fonte desta fronteira geoespacial, os municípios perceberam que realizar o monitoramento de suas áreas urbanas por meio de imagens de satélite não só é mais prático como traz mais receita. Há uma proliferação de leis municipais que permitem ajustar as alíquotas do IPTU quando imagens geoespaciais comprovam alterações na metragem e benfeitorias nos imóveis, o que altera o seu valor de mercado e, portanto, o tributo predial.

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As imagens geoespaciais precisam ter relação com a base cartográfica e geográfica municipal

A diferença é que o município não envia mais técnicos ao local para apurar os dados. Esse trabalho se transformou em uma atividade de gabinete, de base geoespacial. Com isso, o poder público aumenta a eficiência do seu controle sobre a propriedade privada.

Do ponto de vista técnico, nada impede essa prática. O problema é que essa fiscalização municipal feita do espaço está desconectada com as políticas públicas em terra. As imagens geoespaciais precisam ter relação com a base cartográfica e geográfica municipal, que contém as informações da planta de valores. Isso implica a necessidade de estabelecer uma base cartográfica oficial, de caráter público, de fácil acesso aos cidadãos, que proponha instrumentos de controle e permita a integração entre municípios, estados e União.

A Constituição Federal de 1988 afirma que a União deve organizar e manter os serviços oficiais de geografia e cartografia de âmbito nacional – o que jamais foi regulamentado. O resultado é que essa organização está hoje no colo de empresas geoespaciais, como o Google, por exemplo. Elas não empregam a cartografia oficial e seus sistemas têm baixíssima interação com os contribuintes, que são fiscalizados do espaço sem conhecer seus reais direitos.

A consequência imediata é a judicialização da cobrança do IPTU feita por meio de imagens geoespaciais. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Distrito Federal entrou, em junho, com uma ação na Justiça contra a metodologia aplicada para o aumento do IPTU deste ano. Segundo o órgão, a verificação do terreno por georreferenciamento carece de regulamentação, fere o direito de intimidade e é, portanto, arbitrária.

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O poder público não pode enxergar o mapa à sua conveniência, como uma commodity fabricada por softwares internacionais. O que se precisa é desenvolver um serviço público de mapeamento que subsidie a infraestrutura nacional de dados espaciais, criada em 2008. Sem isso, os municípios constituirão uma colcha de retalhos cartográficos que atendem a leis casuísticas e locais, de finalidade puramente arrecadatória.

A União – com décadas de atraso – tem de regulamentar, como diz a Constituição, como essas informações geoespaciais vão ser empregadas para uma cartografia cadastral confiável. Não se combate uma ilegalidade, como a grilagem e a ocupação territorial desordenada, com outra – o uso de mapas não oficiais para uma finalidade pública. Mapas públicos devem compor um sistema, uma infraestrutura, bem distante de sua atual utilização à la carte, sempre pronta a penalizar.

Luiz Ugeda, advogado e geógrafo, é presidente do Instituto Geodireito e autor de “Direito Administrativo Geográfico – fundamentos na geografia e na cartografia oficial do Brasil”.