Forma de combater a crise, por meio da socialização dos prejuízos, condena geração por anos seguidos

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A socialização dos prejuízos com a crise financeira equivale à monstruosa usina de geração de desigualdade por anos a fio.

Jovens, desempregados, gente humilde terá de dar cota desproporcional de sofrimento para que os governos permitam a financistas inescrupulosos voltarem a engrossar os bolsos com bônus obscenos.

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Governos socialistas, trabalhistas ou democratas comparsas de tamanha injustiça cavam suas próprias covas ao colaborarem no enterro do ideal progressista. É o que se começa a ver na Espanha e em Portugal, na revolta da juventude traída.

A geração portuguesa "à rasca" (em apuros, enrascada) ou Movimento 12 de Março reúne os jovens até 34 anos, muitos com estudos superiores, dos quais 40% estão desempregados! Na Espanha, na faixa de 16 a 24 anos, a porcentagem de desempregados salta para 43%! Em toda a parte, os números espantam: 19% nos EUA, 25% na Grécia, 27% na Itália, quase 30% na Irlanda.

Diante dos estragos que continuam a ser multiplicados pela forma perversa de enfrentar a crise, soam irrisórias as propostas intelectuais para reatualizar o debate sobre a igualdade.

Essa "volta à igualdade" começou antes da crise, quando se trabalhava sob a presunção ilusória de que a prosperidade trazida pela Grande Moderação forneceria os recursos para amenizar os efeitos da desigualdade sem tocar na causa.

Agora que o sonho acabou, continua-se a esperar algum milagre que recupere os bons tempos, sem mexer na estrutura financeira. Enquanto isso, a redistribuição às avessas, de pobres para ricos, faz crescer a desigualdade.

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Um bom exemplo do impasse é o debate no Partido Socialista francês em torno da "igualdade real". A expressão é título de estudo publicado em 2004 pela Fundação Jean-Jaurès (www.jean-jaures.org) e inspirou a discussão da convenção nacional do partido em dezembro de 2010 (www.parti-socialiste.fr).

O documento introduz distinção interessante. Indo além do tradicional "socialismo de redistribuição", que tenta moderar a desigualdade a posteriori, advoga-se a necessidade de um "socialismo de produção" e um "socialismo de emancipação". O financiamento desses três socialismos dependeria, porém, da continuação do crescimento.

É irônico que o autor do estudo seja Strauss-Kahn, não tanto pelos seus escândalos sexuais ou ostentatório estilo de vida, mas pelo papel que teve de desempenhar na gerência da crise pelo FMI.

Embora de forma mais compassiva que os seus pares, coube-lhe impor a gregos, irlandeses, agora lusitanos, o mesmo remédio amargo: sacrificar o futuro dos jovens com o objetivo de pagar os bancos alemães e franceses.

A reforma financeira, com participação do FMI, foi cosmética: não se resolveu o "risco moral", a existência de bancos grandes demais para falir e que terão de ser resgatados pelos governos.

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Tampouco se limitaram os ganhos excessivos dos financistas e o estímulo consequente para que optem por correr riscos exagerados.

O destino dos socialistas, primeiro espanhóis, agora portugueses, é o de serem esmagados nas urnas. Afinal, com a usina da crise intacta e produzindo desigualdade a todo vapor, quem se interessaria pelos três inúteis socialismos?

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.