Sílvia Palmieri, mãe da professora Patrícia, que não foi ferida, deixa a Escola Estadual Thomázia Montoro, em Vila Sônia, após aluno atacar colegas e professoras à faca.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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No dia 27 de março, um adolescente armado com uma faca matou uma professora e feriu alunos na Escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo. As cenas são chocantes. O garoto foi impedido por uma professora de Educação Física que lhe aplicou uma chave clavicular, o velho mata-leão, (com algumas adaptações, mas o princípio é o mesmo). Outra professora veio em seu auxílio e desarmaram o garoto. Infelizmente, a professora que ele esfaqueou, de 71 anos de idade, foi a óbito.

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Com certeza será aberto uma série de discussões a respeito do fato, como o bullying, a redução da maioridade penal (mais do que necessária), policiamento nas escolas, seguranças armados. Mas eu quero atentar a um detalhe que vai passar despercebido. O golpe aplicado pela professora que impediu mais vítimas e ainda evitou que o próprio autor do crime (ou melhor, segundo o linguajar jurídico “ato infracional”) fosse lesionado. Acredito que esse ponto deve ser analisado do ponto de vista da segurança pública.

Quando proíbem a aplicação de um golpe como esse, estão retirando uma ferramenta, uma técnica não letal e eficiente.

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Em 2020 um policial imobilizou George Floyd, colocando seu joelho no pescoço de Floyd enquanto estava no chão. Floyd tinha 1,93 cm, e 101 kg, possuía condenação por roubo, era usuário de drogas e foi detido por uso de dinheiro falso. A primeira autópsia constatou que ele estava com Covid-19, efeitos de fentanil e metanfetamina. Uma segunda autópsia, contratada pela família de Floyd, constatou que a causa mortis foi asfixia mecânica devido à compressão do pescoço. O fato teve repercussão mundial gerando uma série de protestos contra racismo e violência policial. O policial que pressionou o joelho contra o pescoço de Floyd foi condenado.

Pouco tempo depois, no Brasil, o então governador de São Paulo, João Doria, famoso pelo uso do marketing, determinou “a morte” do “mata-leão” na Polícia Militar. Montaram um “grupo de estudos” e proibiram o uso do golpe, bem como o retiraram das aulas de defesa pessoal dos cursos de formação. Quase que imediatamente, a prefeitura de São Paulo fez o mesmo com sua Guarda Civil Metropolitana. Uma decisão política e popularesca, a fim de conseguir alguns segundos de mídia, que sempre é a favor de alguma crítica ou limitação da polícia. Mas essas  decisões, que podem até passar despercebidas, geram consequência, inclusive colocando vidas em perigo.

O mata-leão é um golpe relativamente simples e com poucas instruções qualquer policial pode realizar sua aplicação. Mesmo uma mulher de compleição física menor do que um homem pode aplicá-lo e se feito corretamente, leva o agressor à imobilização. Quando proíbem a aplicação de um golpe como esse, estão retirando uma ferramenta, uma técnica não letal e eficiente. Como consequência, caso o policial se sinta inseguro com outras técnicas ensinadas, mais complexas e que requerem mais destreza e força, institivamente irá se socorrer de sua arma. E qual será o resultado?

Proibir um golpe porque em um mundo de milhares de ocorrências alguma deu errado e levou o agressor a óbito seria o mesmo que proibir o uso de viaturas em situação de emergência, pois estatisticamente já levaram muitos à morte por acidentes de trânsito. Não faz o menor sentido: matam a vaca para eliminar o carrapato. Um policial pode ser abusivo com uma chave de braço, que, aliás, é mais lesiva do que uma mata-leão. A diferença entre o veneno e o antídoto é a dose. Se um policial mata alguém, sem estar em legítima defesa, com sua arma, a corporação deve retirar a arma de todo policial? Claro que não.

Há três casos em que o golpe pode levar a óbito, e todos eles podem ocorrer com outros golpes ou com armas não letais: se a pessoa estiver com algum problema gravíssimo de saúde ou sob forte efeito de drogas; se o policial que aplica o golpe estiver tão tenso que não percebe que o agressor parou de reagir e continua fazendo pressão por longo tempo no pescoço; se o policial tiver a intenção de matar.

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O primeiro caso pode ocorrer em qualquer circunstância. O segundo caso é muito raro, mas, se acontecer, o parceiro do policial deve intervir. Se ocorrer uma fatalidade, o policial deve responder pelo excesso, da mesma forma que responderia com o uso de outros instrumentos e até de sua arma de fogo. No terceiro caso, o policial cometeu homicídio doloso – e poderia ter usado qualquer instrumento para isso – e deve ser punido com todo o rigor da lei. Por fim, segurança pública é coisa séria e graças a Deus São Paulo agora está com os melhores no comando das últimas décadas, que com certeza possuem outro tipo de pensamento, pautado em resultados, não em narrativas midiáticas.

Davidson Abreu é analista de segurança pública, bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas, professor, escritor e palestrante, e autor do livro “Tolerância Zero”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]