Colheita de arroz no Rio Grande do Sul.| Foto: Nilson Conrad/Governo do RS
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A relação da sociedade com a natureza é, há muito, vítima de percepções extremas, quase sempre alimentadas pelo temor de esgotamento dos recursos finitos que sustentam a vida no planeta. No ano 200 d.C., quando viviam na terra cerca de 180 milhões de pessoas, o filósofo Tertuliano de Cartago concluiu que os humanos eram um fardo que a natureza já não conseguia suportar.

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O economista, matemático e filósofo inglês Thomas Malthus, que viu a população global atingir o seu primeiro bilhão (em 1804), especulou que as populações humanas cresciam exponencialmente, enquanto a produção de alimentos crescia a uma taxa aritmética, o que levaria ao colapso no abastecimento de alimentos, a conflitos por recursos, à fome e à catástrofe.

Tertuliano e Malthus erraram porque ignoraram que a criatividade e o engenho humanos seguiriam produzindo conhecimentos e recursos novos e aprimorados que, substituindo os antigos, criariam oportunidades de progresso, de superação de perigos e mudanças de comportamento que invalidariam suas previsões catastróficas.

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É provável que fenômeno semelhante esteja ocorrendo agora, com a antecipação de catástrofes inevitáveis em função da emergência climática e do crescimento populacional, sem considerar que a criatividade e o engenho humanos seguirão sendo forças capazes de ajustar a trajetória da sociedade em direção ao futuro.

Felizmente são muitas as evidências de que a sociedade está atenta para a impossibilidade lógica de se manter o paradigma corrente de produção e consumo em um planeta de recursos finitos.

Há, inclusive, um movimento em curso para mudar a linha do tempo geológico da Terra, de Holoceno, o período iniciado há cerca de 12 mil anos, para Antropoceno, ou a “era recente do homem” – um prudente alerta sobre os perigos da ação humana sobre o sistema terrestre.

O conceito tem forte simbolismo e renova a atenção aos ambientes naturais e aos seus significados para o funcionamento do planeta e para o bem-estar dos seres vivos – um estímulo para se conhecer, manejar e extrair progresso e riqueza do nosso patrimônio natural, de forma pragmática e sustentável.

O sistema alimentar global está no cerne deste desafio por ser um dos maiores usuários de recursos naturais – solo, água e biodiversidade – e um dos impulsionadores do processo de mudança climática.

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É por isso que, no Antropoceno, a humanidade será desafiada a transformar a agricultura e os sistemas alimentares de forma a atender às necessidades de uma população mais numerosa, urbanizada e exigente e, ao mesmo tempo, fortalecer a estabilidade e a resiliência da natureza. É por isso que o termo “intensificação sustentável” vem ganhando notoriedade.

Fechar essa conta exigirá um grande esforço de geração e uso de tecnologias “poupa-recursos”, de baixa emissão de carbono, capazes de promover a expansão da produção de alimentos sem avanços imprudentes sobre a base de recursos naturais, buscando harmonia com a natureza que nos sustenta.

Em função da sua riqueza natural – florestas, solo, água e abundante luz solar –, países do cinturão tropical do globo, como o Brasil, têm o potencial de liderar essa mudança, modulando o uso dos recursos naturais de forma a produzir, no mesmo espaço, grãos, proteína animal, frutas, fibras e biomassa, ao mesmo tempo aumentando as reservas de carbono no solo, protegendo a biodiversidade, os recursos hídricos e a qualidade do ar.

Pode parecer contraditório para muitos que uma agricultura assim intensificada não seja desgastante ou nociva para a natureza. Mas a ciência já demonstra que sistemas produtivos que mimetizam sistemas naturais, integrando plantações, criações e florestas em um mesmo espaço, podem se tornar capazes de utilizar insumos e serviços ambientais de forma mais segura e parcimoniosa.

Os que tentarem resistir a esta lógica, insistindo em consumir sem limites recursos naturais finitos, acabarão sucumbindo pela incapacidade de medir e comprovar a sustentabilidade dos seus processos. É que o conceito elusivo de sustentabilidade está gradualmente evoluindo, incorporando métricas e medidas concretas capazes de demonstrar, de maneira inequívoca, a extensão dos seus impactos.

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A Análise do Ciclo de Vida (ACV) é uma das metodologias mais consagradas para esse fim, tendo sido desenhada para medir impactos ambientais desde produção e uso de um bem até o descarte. Além de demonstrar o benefício ambiental de um produto ou processo, tais mensurações permitem identificar e recompensar aqueles que protegem o patrimônio natural e promovem o bem-estar da sociedade.

O Brasil já oferece um exemplo prático dessa nova realidade, com o RenovaBio, uma política pública destinada a fortalecer o uso dos biocombustíveis com base na demonstração concreta dos seus benefícios para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Por meio da ACV os impactos ambientais dos biocombustíveis serão avaliados durante todo o seu ciclo de vida, desde a sua geração até a disposição final, o que permitirá a realização da contabilidade das emissões de carbono e de outros impactos ambientais em comparação aos combustíveis fósseis.

Consumidores e mercados pressionarão por práticas semelhantes em outras cadeias produtivas, que precisarão demonstrar os impactos ambientais dos seus produtos e processos, destacando e valorizando esforços para a construção de uma relação mais harmoniosa da sociedade com a natureza.

Maurício Antônio Lopes é pesquisador da Embrapa.

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