Quase 500 anos, cerca de cinco séculos, meio milênio: não se sabe com exatidão quando Thomas More concebeu a palavra-conceito. Certo é que apareceu pela primeira vez em letra de forma em língua latina na fantasia do humanista inglês publicada em 1516. Inspirada no relato do navegador Américo Vespúcio aparecido pouco antes na Itália, logo convertido em best-seller europeu, legou-nos o upgrade de Novo Mundo.

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Graças às maravilhosas descrições do paraíso terrestre com o qual esbarrou em nossas bandas (talvez Fernando Noronha), Vespúcio & More deram ao Renascimento o lastro social, político e filosófico que o converteram em marco civilizatório global.

U + topus, utopia (nenhum lugar) – ilha imaginária, fábula ideológica, resistiu bravamente ao fragor das guerras, mudanças tecnológicas, espirituais e à passagem do tempo graças à sua condição idealizada, porém implausível, impraticável. O substantivo adjetivou-se pendurado nos mais contraditórios projetos – do capitalismo ao socialismo utópicos.

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Outro inglês, o filósofo John Stuart Mill, cerca de 350 anos depois (1868), num discurso no Parlamento, criou o antídoto para a quimera de More através da distopia, termo médico que designa a localização anômala de um órgão. "O que é demasiadamente bom para ser tentado é utópico, o demasiado mau é distópico."

Construção esperançosa, a utopia é uma peça geralmente acrítica, visão de um mundo melhor – novo mundo – sem compromissos imediatos com a viabilidade, a partir de premissas subjetivas, abstratas. A distopia, ao contrário, é uma peça retórica crítica, contestadora, usada para desmascarar situações concretas, fraudes institucionais, hipocrisias, demagogia. Regimes tirânicos que tentam passar por benignos, retrocessos maquiados como inovação, promessas mirabolantes são falsificações utópicas – distopias.

Mas não é proibido sonhar: utopias irrigam a imaginação, fertilizam a criatividade, mesmo abandonadas deixam resíduos reutilizáveis desde que a matéria prima seja autêntica, de origem certificada – humanitária. Esta verificação essencial fica por conta dos vigilantes, sentinelas, denunciadores de distopias. Com ou sem apitos, mas obrigatoriamente coerentes, cabe-lhes talvez a parte mais difícil da equação: enfrentar quimeras falaciosas sem desfigurar a utopia interior.

Em apenas cinco séculos, a humanidade estabeleceu as bases éticas para sonhar sonhos impossíveis e diferenciá-los de eventuais aberrações. Percurso nada desprezível. O admirável mundo novo não está desativado: de repente, acontece, ainda que por pouco tempo. Um dia reaparece e, aquietado, vem para ficar.

Alberto Dines é jornalista.

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