O artigo 5.º, inciso II, da Constituição Federal preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O dispositivo constitui um princípio constitucional e um comando a todas as pessoas, no qual somente a lei poderá criar direitos, deveres e obrigações a todos indistintamente.
Agora discute-se: pode o Estado impor às pessoas, mesmo contra sua vontade, a vacinação? A ordem, a imposição estatal estaria em desconformidade com o princípio da autonomia da vontade? O indivíduo pode ser compelido a um tratamento preventivo, por meio de uma vacina? A lei tem o vigor de interferir na intimidade, no poder decisório dos indivíduos a este ponto? Estaria o Estado intervindo na dignidade humana? A resposta a todas as indagações não há de ser simplista e deve ser desprovida de paixões políticas, voltada apenas para a legislação pátria.
A vacinação contra a Covid-19 é caso de saúde pública. Quando um porcentual da população é vacinado, mesmo quem não está vacinado fica protegido do patógeno causador da doença
Destaca-se que o caso não é de saúde individual, mas de saúde pública. Não se está discutindo se o poder estatal pode obrigar um indivíduo a submeter-se a um tratamento ou cirurgia contra um câncer – caso em que, evidentemente, não caberia a interferência estatal, pois a doença acometida e seu agravamento trariam consequências apenas para aquela pessoa. Já a vacinação contra a Covid-19 é caso de saúde pública. Todos os estudos científicos indicam que, quando um porcentual da população é vacinado, mesmo quem não está vacinado fica protegido do patógeno causador da doença, na chamada “imunização de rebanho”.
Com estes adminículos, volta-se à legislação pátria. A Constituição determina que a obrigação, o dever, surge da lei. O artigo 196 da Carta Magna afirma que a saúde é direito de todos e dever do Estado. O artigo 197 diz que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”.
Visto que o poder constituinte conferiu ao Estado o poder/dever de cuidar da saúde pública, podendo, nos termos da legislação, dispor sobre regulamentação e controle, o poder estatal tem a prerrogativa de impor aos cidadãos a obrigatoriedade de se vacinarem contra a Covid-19 ou outra patologia que coloque em risco a saúde da população. Tanto é assim que o Código Penal, em seu artigo 268, tipifica como crime “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
Diante da clareza dos dispositivos legais, surge outro questionamento: de quem é a competência para impor a vacinação, dos Estados ou da União? A resposta é dada pelo artigo 3.º, inciso III, letra “d” da Lei 13.979 de 2020, que preconiza; “Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: III – determinação de realização compulsória de: d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou [...]”.
A meu ver, salvo melhor juízo, a União ou o estado têm competência para impor aos cidadãos, com base em sua territorialidade, a imposição da vacinação aos indivíduos. Mas a resposta final será dada pelo STF.
Bady Curi Neto é advogado e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.
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