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Não é o recesso de inverno, o vácuo em que nos encontramos tem outro responsável: o pleito de outubro de 2010. O palanque eleitoral foi armado em fevereiro, vinte meses antes do dia de votar, impossível resistir à tentação de usá-lo para atender sua função precípua – perorar.

O país transformou-se numa gigantesca charge política, autêntica Sucupira, onde impera a verborréia. Fala-se muito e mal, nossa oralidade está comprometida pela ausência de novos paradigmas de eloquência. Ruy Barbosa já era. Como escreveu José Saramago, o twitter nos aproximou decisivamente do grunhido.

Nesta pandemia de declaracionite aguda perderam-se as noções de governabilidade e governança. Os projetos de governo há tempos saíram de moda e os projetos de poder que os substituíram são movimentados pela loquacidade. Os administradores deixaram de utilizar as mesas interessados apenas em microfones e alto-falantes. Administra-se o caos ou, na melhor das hipóteses, os vácuos produzidos nos intervalos da discursaria.

A desastrada e desastrosa escolha de José Sarney para presidir o Senado ameaça acabar com a Câmara Alta e já infectou a Câmara Baixa – baixíssima, aliás. O Executivo interfere abertamente no Legislativo há seis meses consecutivos e quando percebeu o estrago autoinfligido tentou escapar de forma canhestra e amadora: "Não é problema meu, não votei no Sarney", proclamou o presidente Lula nesta quinta-feira. Não votou, mandou votar e, pior, num passe de mágica transformou o calejado coronel num fantasma imprestável.

Imaginava-se um Judiciário imune ao destempero, leviandades e, de repente, a suprema corte vira um botequim togado, palco de bate-bocas e imprudências. Imune à demagogia e à falta de decoro, o cenáculo do Judiciário, no entanto, deixa-se levar pela insensatez. As duas decisões sobre imprensa e exercício do jornalismo tomadas em abril e junho pelo STF são exemplos de insensatez, beiram a irresponsabilidade, deixaram perigosas brechas no processo de informação – espinha dorsal da democracia – que demandarão anos para serem sanadas e revertidas.

Contaminado pela loquacidade e pela arrogância que a fabrica, o presidente do STF interfere, opina e palpita sobre tudo e sobre todos, geralmente fora da pauta da sua corte. Na mesma aziaga quinta-feira conclamou a sociedade a promover uma imediata reforma do Estado para debelar a crise política sem perceber que suas frementes acusações são parte da crise que diagnosticou com tanta acuidade.

O Estado brasileiro será modificado a partir do momento em que deixar de alimentar a fogueira das vaidades para tornar-se objeto de uma ação cotidiana, pertinaz e, sobretudo, coletiva. Antes da reforma do Estado é indispensável uma consciência verdadeiramente reformista e, ao lado dela, uma devoção à causa pública, sem grandiloquências, com humildade e sacrifício.

O vácuo no qual fomos jogados é fruto de uma perigosa conjunção de ambiguidade e miopia: os culpados são sempre os outros, os erros são sempre daqueles que não fazem parte da patota. E, de patota em patota, substituímos o Estado de Direito pelo Estado do Compadrio.

Quarenta dias depois de desregulamentar e extinguir a bimilenar profissão de jornalista, o Estado brasileiro cria e já regulamenta a profissão de moto-taxista sem que o Ministério Público se apoquente com a perspectiva de um aumento brutal no número de mortes e mutilações em acidentes urbanos.

Este inverno está fazendo muito mal ao país. A gripe suína associou-se à gripe sazonal e os sobreviventes estão condenados a ensurdecer numa gigantesca e insidiosa Torre de Babel.

Alberto Dines é jornalista.

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