Três dramas revelam o que será o mundo no longo prazo: o desastre no golfo do México, as greves na China e a crise do euro
É possível que na perspectiva do tempo os problemas com o Irã não passem de meros vagalumes, como definia Braudel os eventos que brilham, mas não iluminam o caminho. Três dramas que se desenrolam no momento em outros lugares talvez revelem mais do que será o mundo no longo prazo: o desastre no golfo do México, as greves na China e a crise do euro.
Obama comparou o impacto que terá o derrame de óleo na consciência ambiental americana ao perdurável efeito do ataque terrorista do 11 de Setembro. Uma das primeiras vítimas tem sido o próprio presidente, atingido por esse inédito desgaste na hora em que principiava a sair do túnel da aprovação da reforma de saúde.
A última coisa de que precisava era de uma catástrofe ambiental no instante em que o desemprego não dá sinais de ceder, e a estratégia no Afeganistão começa a fazer água.
Haverá tempo para recuperar o terreno nas eleições para o Congresso este ano e, sobretudo, antes da sucessão presidencial em 2012? Terá o desastre a capacidade de comprometer as perfurações em águas profundas e estimular um acordo sobre o clima baseado em energia limpa e renovável?
Na China, a novidade veio da direção menos esperada: não da repetição de Tiananmen ou dos conflitos étnicos, mas das fábricas onde as multinacionais exploram mão de obra inesgotável para inundar o mundo de produtos baratos.
Serão as greves um fogo de palha destinado à supressão pela repressão policial? Ou são o começo do fim do modelo chinês baseado em exportações (75% do PIB) com salários baixos e moeda manipulada? Convencerão afinal o governo a crescer mediante o consumo interno, o que seria bom para os chineses e para todos?
A crise do euro dá razão ao chanceler Helmut Kohl: não pode haver moeda única sem união política. Só um governo central garante a mesma política de orçamento, de previdência, de benefícios sociais. Mas, será factível ter regras de vida comuns a povos tão díspares no comportamento como suecos e gregos, alemães e espanhóis?
A julgar pelo exemplo de flamengos e valões, de italianos do norte e do sul, afinal não tão distantes, é permitido duvidar da sabedoria da decisão da moeda única, ou da prematura expansão europeia além do núcleo duro original.
Nos três casos haverá consequências para o Brasil.
O aumento do seguro e dos custos das perfurações na véspera da capitalização da Petrobras projeta uma sombra sobre a viabilidade do pré-sal, cuja situação é ainda mais complicada em termos de profundidade e riscos. Uma decisão chinesa que permita aos salários e à moeda atingir nível realista reduziria a pressão sobre nossa ameaçada indústria e aliviaria o problema da apreciação do real.
A crise europeia, além dos efeitos sobre o comércio exterior e os investimentos, encerra uma lição: evitar no Mercosul imitação que, em nossa caso, seria uma loucura.
Não é muito o que podemos fazer. Ao menos, nas negociações sobre clima ou na reunião do G20 de Toronto, o Brasil deveria usar sua influência para que as decisões favoreçam um país como o nosso, rico em energia limpa e para que o comércio mundial se faça em condições de salário e câmbio sem manipulações.
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Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).