Findas as manifestações do dia 26 de maio, cujo prenúncio ufanista proclamava as manifestações em tom ainda de campanha eleitoral de 2018, devemos retroceder para alguns dias antes das manifestações, para um episódio que merece ser repassado, mesmo em slow motion, para uma reflexão com mais parcimônia.
Quem acompanha a narrativa criada contra grupos e personalidades já conhece inúmeras frases de efeito criadas para rotulá-los, como "traidores”, “socialistas fabianos” ou “inimigos”. Em momentos distintos, com velocidades de ataque distintas, com intensidades diferenciadas, todos, absolutamente todos os que não concordaram com a forma da manifestação, ainda que concordassem com seu mérito, sofreram ataques.
O Movimento Brasil Livre certamente foi uma das maiores vítimas de ataques, com episódios que envolveram cortes de vídeos em trechos específicos, alguns deles descontextualizados, outros por ignorância de como funciona a dinâmica das lives do MBLNews, com formato extremamente divertido, irreverente e muitas vezes politicamente incorreto! A não concordância com as protomanifestações, quando ainda havia pautas difusas, com prevalência do discurso antipolítica e instigação aberta contra os demais poderes, foi o estopim para uma série de ataques, curiosamente concomitantes, de maneira que supõe ser orquestrada, e campanhas para que houvesse diminuição dos seguidores do MBL nas redes sociais.
A cortesia não significa fraqueza ou assumir uma postura menos crítica
Arthur Moledo do Val, o famoso “Mamãe Falei”, com suas opiniões, argumentos e posições que incomodam a muitos e agradam a poucos, foi igualmente vítima de ataques, que foram das campanhas para que perdesse seguidores até as acusações de “traidor”. No caso do Vem para a Rua, foi igualmente pitoresca a maneira como o grupo sofreu acusações.
Pergunto ao leitor: vale tudo nessa “guerra política”? Caso sua resposta seja afirmativa, então tudo o que narrei acima e outras coisas que ocorreram foram válidas, éticas e moralmente aceitáveis. Mas, em contraponto, deixo uma disposição do “código de ética” dos samurais, o Bushido, que assevera, como uma das sete virtudes, a Rei, que significa “polidez, cortesia e amabilidade”.
A cortesia, no caso, não significa fraqueza ou assumir uma postura menos crítica, referindo-se aos modos de tratar seus oponentes. Aos adversários políticos acima citados caberia tratá-los com dignidade; afinal, no mérito (a reforma da Previdência) o MBL e seus apoiadores estão entre os esteios que lideram a discussão, não apenas no Salão Verde do Congresso, mas no debate público, com vídeos, explicações e campanhas.
Outro valor que destaco é o Yuu, coragem, bravura heroica. A maneira como ocorreram os ataques contra grupos e pessoas que se posicionaram contrárias aos atos de 26 de maio demonstraram uma narrativa inverossímil aos que partiram para o “tudo ou nada”. Um "nada" de bravura e coragem da parte dos autores dos ataques espúrios e confabulações imaginárias contra adversários que já estavam amplamente abatidos. Coragem e bravura quem demonstrou foi Arthur do Val, pois enfrentou os oponentes com altivez, sem desmerecê-los nem recorrer a ataques pessoais. Coragem é enfrentar muitos; bravura heroica é lutar mesmo sabendo que não irá vencer!
Como última abordagem do Bushido, peço vênia para citar Miyamoto Musashi, certamente um dos maiores samurais do panteão de guerreiros japoneses: “A vida de alguém é limitada; a honra e o respeito duram para sempre”.
Leia também: Manifestações e democracia (editorial de 24 de maio de 2019)
Leia também: A nova república dos adesistas (artigo de Elton Frederick, publicado em 26 de maio de 2019)
Depois disso, faço novamente a indagação: na "guerra política” vale tudo? Caso sua resposta ainda seja afirmativa, não há honra, não há coragem, não há ética! Temos apenas uma briga de facas em um beco escuro, regida pela Lei de Gérson. O importante seria destruir os inimigos “políticos”, mesmo com mentiras, ataques vis, pois o importante é vencer – algo que já foi contestado em Marcos 8,36: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”
Na guerra não vale tudo! Quando na guerra se pode tudo, o que percebemos são horrores, estupros de mulheres, matança indistinta, assassinato de soldados, destruição anárquica. Por isso existe um ius ad bellum consolidade em tratados de guerra, como a Convenção de Genebra de 1949, que em seu artigo 14 prescreve claramente o tratamento humano e digno a inimigos que são rendidos, inclusive na incolumidade física e moral.
Não houve qualquer tipo de honra no método e nos objetivos das campanhas contra pessoas e organizações, que foram trucidados e atacados duramente em sua índole moral, sem um debate civilizado. Além disso, continuando nosso paralelo com a Convenção de Genebra, esse texto traz vedações expressas para a simulação, a enganação, o que se denomina "perfídia", que é método de simular algo, conforme afirma o artigo 37 do Protocolo adicional às Convenções de Genebra, de 1977. Mas na guerra política travada e presenciada, os difamadores apelaram à boa-fé de inúmeras pessoas, recorrendo à perfídia, distorção de falas em vídeos e outros métodos de enganação.
Repito: na guerra não vale tudo. Há limites para as ações, como diz o artigo 35 da Convenção de Genebra. Os métodos devem se adequar a um padrão mínimo de civilidade, inclusive estendida ao inimigo. O guerreiro não pode ser um “açougueiro”, um “carniceiro”; suas condutas devem permear-se por honra, coragem e até mesmo misericórdia e polidez. Mas não vimos nada disso nos ataques orquestrados contra vozes e pensamentos que não deram apoio automático às manifestações de 26 de maio. Em vez disso, os ataques que precederam as manifestações tiveram um amplo espectro de vale-tudo e destruição.
Juliano Rafael Teixeira Enamoto é procurador da Câmara Municipal de Sapezal (MT).
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Deixe sua opinião