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Vale tudo mesmo?

Lendo blogs e ouvindo argumentos a favor dos encontros marcados por grupos diversos via rede social e denominados movimentos cívicos ou manifestações, surgiu uma dúvida: hoje, na sociedade brasileira, vale tudo mesmo?

Cada sociedade tem seus padrões de organização, que se revelam tanto na forma de comportamento coletivo quanto na de regras gerais. Os hábitos ou comportamentos coletivos são modos de conduta constantemente repetidos. Como a tendência dos brasileiros de torcer por um time de futebol, festejar o carnaval e passear em shoppings. A normalidade desses comportamentos faz com que exista uma expectativa de repetição, mas a nenhum deles nossa cultura atribui um sentido obrigatório.

Todavia, há condutas que uma cultura impõe como obrigatórias. Trata-se de designar direitos e deveres cuja observância é exigida de todos. Esses direitos e deveres são estabelecidos por uma série de regras que compõem o sistema normativo de uma sociedade.

Os conceitos de bem e de dever raramente são diferenciados. Até a geração de meus pais, era muito claro no imaginário social que tudo o que era bom era devido. Naquela época, os sistemas normativos da nossa sociedade não se subdividiam. Era um conjunto único de normas obrigatórias. Há regras de trato social que definem o comportamento adequado, sem que exista um conteúdo especificamente moral. Como as exigências de se usar certas roupas em ocasiões formais ou de se comportar educadamente em restaurantes, shoppings, locais de trabalho ou de culto etc.

A consolidação dos modernos Estados de Direito deu relevância especial à distinção entre as regras de trato social e as regras jurídicas. As autoridades do Estado somente podem punir os cidadãos pela desobediência ao direito. Assim, por mais que a moralidade seja um âmbito normativo, as punições ligadas a seu descumprimento não podem atingir propriedade, integridade corporal e liberdade dos indivíduos. Esses tipos de intervenção somente podem ser fundadas nas leis do Estado.

Grupos denominados movimentos dentro da sociedade brasileira vêm marcando encontros e reunindo até 6 mil pessoas em espaços que atrapalham trânsito, transporte e trabalho do cidadão. As pessoas podem frequentar lugares públicos ou privados, sob a condição de que não se coloque em risco os direitos fundamentais dos outros.

Quando o caos domina, qualquer associação (do setor público ou privado) tem o direito de impedir eventos e encontros, alegando motivos como logística, silêncio, ordem e segurança. O Estado de Direito jurídico protege a maioria.

Por que aceitamos ações aterrorizantes e violentas? Vale mesmo chamar o caos de manifestação e criar uma pauta com especialistas para explicar os excessos que são praticados nas redes sociais e que viraram o novo comportamento do brasileiro na área pública e privada? Por que a norma da organização do carnaval e réveillon não é vista como modelo democrático e civilizado da cultura brasileira? Vale a pena adotar os padrões de organização que param a vida e a economia do país, segregando os grupos sociais e incitando violência contra a polícia, a imprensa e pessoas públicas?

Eu espero não perder o Estado de Direito que promove e protege o direito de organização, liberdade de expressão e reivindicações nas eleições e comissões políticas. Hoje o direito de muitos está sendo tripudiado no caos.

Priscila Pereira Pinto, cientista política, é diretora-executiva do Instituto Millenium.

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