Somos guiados pela fantasia em praticamente tudo que fazemos. As crendices têm mais alcance que a ciência. Agimos quase sempre por impulso. Odiamos a lucidez. É a emoção que nos leva ao consumo e decide o voto nas eleições.
Não compramos automóveis pela qualidade do aço, o que nos move para aquisição deste ou daquele modelo são as belas garotas ou galã que aparecem no anúncio. Candidatos que trazem apenas propostas exeqüíveis, que insistem em apontar restrições orçamentárias para contrapor o discurso irreal do adversário, ou limitam suas promessas às específicas atribuições do cargo que disputam, tornam-se enfadonhos, traços nas pesquisas, derrotados no dia da apuração.
Mais uma eleição se aproxima e o que se observa são os velhos expedientes de sempre: eleitores de um lado recriminando a "baixaria dos candidatos" de outro os postulantes aos cargos bajulando a população, oferecendo o que não irão cumprir. Quando vier a apuração, todos os cargos disputados estarão preenchidos, com poucas renovações se houver, dando-se então reinício ao mesmo ciclo: o rápido esquecimento.
Quando o então deputado Roberto Jefferson revelou o esquema de corrupção existente em setores do governo federal, rotulado de mensalão, houve de imediato grande alvoroço e indignação na mídia e na sociedade. Enquanto a coisa se movia no domínio da suspeita, o prestígio dele crescia, era disputado para entrevistas e depoimentos. Até mesmo o que já era de certa forma consenso se explorava como inédito, por exemplo, a afirmação do delator de que o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, era o homem que mandava na República. A indignação coletiva diminuía no ritmo em que os fatos eram apurados, até desaparecer por completo quando autoridades políticas e judiciais confirmaram as denúncias.
Paulo Maluf foi durante anos rotulado de corrupto por muitos e em particular e com mais rigor pelos petistas. Quando finalmente os indícios se materializaram em provas, o próprio PT, algoz ferrenho de antes, passou a tratá-lo como aliado nas últimas eleições.
Simplesmente não aceitamos os fatos. Se a seleção brasileira de futebol é eliminada da Copa, não conseguimos encarar a realidade de que mesmo tendo os melhores talentos individuais, uma partida de futebol é apenas um jogo, nem sempre vencido pela melhor equipe, às vezes é decidido num lance aleatório da sorte ou azar. Temos de especular sobre hipóteses suspeitas, persistir na existência de externalidades conspiratórias.
Na eleição passada, para governador do estado do Paraná, o então candidato Alvaro Dias, talvez pela cômoda posição de contar ainda com mais quatro anos de mandato no Senado Federal, resolveu detalhar os procedimentos administrativos e jurídicos que adotaria em relação ao pedágio caso fosse eleito. O assunto era predominante nos debates daquele pleito. A solução proposta por Dias, embora correta, parecia demasiadamente complicada e ele perdeu a eleição. Outro candidato, Roberto Requião, que foi eleito, resumia a questão a um binário: "baixa ou acaba". Na esfera federal via-se um esforçado José Serra tentando em vão convencer racionalmente o eleitorado de que era impossível ao concorrente o atual presidente Lula criar os 10 milhões de empregos que prometia, pois segundo ele, Serra, cálculos sérios apontavam que mesmo com muita competência administrativa e generoso crescimento econômico, não mais que 8 milhões de novas vagas seria possível gerar. Como a questão do desemprego angustiava a população na época, Serra pagou caro em não arredondar para cima as frias previsões acadêmicas.
Somados ao grande apego às fantasias, outra característica marcante da nossa gente, é de valorizar excessivamente o que é secundário e desprezar o essencial, mas isto seria assunto para outra ocasião. Quanto às eleições deste ano, resta torcer que os eleitos sejam os mais comprometidos em melhorar a vida de todo o povo e que os velhos artifícios de sempre estejam limitados às circunstâncias eleitorais.
Florentino Augusto Fagundes é professor do curso de Matemática da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
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