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Vamos dar um rolé(zinho)?

Como nos ensina o Houaiss, "rolé" é um "pequeno passeio, volta". Eu mesmo utilizava esta expressão com o sentido indicado pelo dicionário. Que química social transformou um passeio em uma "manifestação de vandalismo e oportunidade para crimes", segundo os proprietários dos shoppings e a Justiça, que acatou liminares para impedir o movimento?

Anos atrás, um aluno comentou comigo que shoppings de Curitiba impediam a entrada de jovens, e ele acreditava que a escolha era feita segundo "a cara". O relato foi detalhado e permeado por um sentimento de indignação e humilhação. Algum tempo depois, aquele mesmo aluno me ligou: "Professor, quer ver como é o negócio? Tem um grupo de jovens aqui no shopping X que estão sendo barrados". Fui até lá e pude constatar que alguns jovens se aglomeravam na porta, onde havia uma fileira de seguranças. Verifiquei que os jovens barrados eram todos "vileiros", como me disse um senhor que parecia ser uma espécie de supervisor dos seguranças, e segundo o qual eles "causam problemas e roubam no shopping". Jovens pobres, a maioria não branca e moradores da periferia.

O número de jovens aumentou, chegando a mais de 30, reunidos na praça em frente ao shopping. Juntei-me ao grupo e, enquanto conversávamos, chegaram viaturas da PM, das quais desceram policiais de arma em punho, truculentos, mandando os jovens ir embora, sob a argumentação de que se tratava de "uma gangue querendo invadir o shopping"! Tentei explicar o que havia acontecido e, no fim, disse aos policiais que queria apresentar queixa contra o shopping. "Vá procurar uma delegacia", retrucou um deles. Fui não a uma delegacia, mas ao Ministério Público, que ouviu a mim e a vários jovens. Infelizmente, tal ação não teve os efeitos que eu esperava.

Não havia nada, a não ser a discriminação, que impedisse a entrada dos jovens. Eles não tinham nem sequer entrado no shopping. A polícia, que deveria ter aplicado a lei – no caso, impedir a discriminação –, acabou atuando como segurança de shopping.

Assim, o impedimento da entrada de jovens (individualmente ou em grupos) em shoppings não é novidade. Pergunto: quem promoveu a violência, os jovens ou os representantes do shopping (que, por sua vez, não tomariam tal decisão sozinhos sem uma orientação para assim proceder)? Não foram estes últimos que foram violentos, ao barrar pessoas pelo seu estereótipo, transformá-las em perigo potencial e acionar a polícia, fechando o ciclo da violência?

Os atuais rolezinhos que a tantos assustam e a reação discriminatória dos shoppings, Justiça e polícia são diferentes do caso que narrei, pela forma como são organizados – via internet – e pelo momento político que o país passa, ainda com lembranças das manifestações de 2013. Mas guardam pelo menos dois elementos em comum: a tentativa de segregar os jovens pobres de regiões ou de espaços públicos ou privados dos quais eles não seriam "habitantes naturais", e o tratamento policialesco de uma questão social e juvenil.

Como sabemos, repressão exige sempre mais repressão; é um cenário incapaz de promover direitos, a não ser uma pacificação instável sob a qual o sentimento de injustiça cresce e sistematicamente retorna, na forma de explosões de frustação e violência, formando um círculo vicioso que solapa a possibilidade de uma sociedade mais justa e solidária.

Pedro Bodê é coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR.

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