| Foto: Pixabay/

Doar para instituições de caridade deixam a pessoa mais feliz, mais saudável e multiplica seus recursos. Foi o que descobri nas pesquisas para um livro que estava escrevendo em 2003. Os dados mostravam claramente que doações e voluntariado têm um impacto positivo na saúde, no nível de satisfação e nos bens da pessoa, principalmente quando se pode ver o rosto daqueles que se está ajudando. Será que esse é o segredo para uma vida melhor e um mundo mais feliz?

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Empolgado com a descoberta, discuti o tema com minha mulher, Ester. Sempre prática, ela me sugeriu que colocássemos minha pesquisa à prova na nossa vida. “Li outro dia que há milhões de meninas abandonadas na China. Acho que devíamos adotar uma”, disparou. Na hora, minha única resposta foi: “Pera lá, é só um livro!”.

O movimento de adoção internacional virou o grande vilão corporativo

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Muita gente se sente ansiosa quando o assunto é adoção, embora o motivo da angústia tenha mudado ao longo do tempo. Em um estudo feito nos anos 1980, a socióloga Charlene E. Miall trabalhou com um grupo grande de mulheres sem filhos e muitas das entrevistadas relataram a mesma percepção: a de que a ausência de laços biológicos pode minar a relação pais-filhos. Temiam que a sociedade visse os adotados como “segunda opção” e os adotantes, como pais “falsos”.

Hoje em dia, porém, as maiores preocupações deixaram de ser culturais, centradas principalmente no lado financeiro e logístico. De acordo com o National Foster Care Adoption Attitudes Survey, em 2013, dois dos oito principais temores de quem pensa em adotar estão relacionados à papelada e aos gastos.

A mudança pode ser considerada uma novidade excelente, pois significa que o governo pode ajudar a fornecer soluções. Foi o que George W. Bush quis fazer ao assinar o projeto de lei de 2001, que aumentava o teto da dedução fiscal de adoção de US$5 mil para US$10 mil, na intenção de contrabalançar os gastos que geralmente representam três vezes esse valor, principalmente para as famílias que adotam no exterior.

As adoções estrangeiras por famílias norte-americanas já estavam aumentando em 2001; com a ajuda de uma nova política, o número alcançou um recorde em 2004. Segundo o Departamento de Estado, 22.884 crianças foram adotadas de outros países naquele ano, em comparação com quase seis mil/ano no início da década de 1980 e 16 mil em 1999.

Opinião da Gazeta: Os filhos do Brasil (editorial de 11 de maio de 2014)

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Leia mais: Adoção, um amor diferente (artigo de Amélia Reiko Jojima, publicado em 25 de maio de 2017)

Como milhares de outros naquela leva, e apesar das minhas objeções iniciais, Ester e eu demos início ao processo de adoção de uma criança chinesa – o que, na verdade, significava incluir uma filha no nosso clã, já que as meninas respondem por 95% dos pequenos naquele país que aguardam a chance de um novo lar.

Em meados de 2004, com outras nove famílias, embarquei em um voo para a China para buscar nossa menina, em um orfanato na província de Fujian. Enquanto o resto do grupo viajava em casais, eu estava só – isso porque um de nós tinha que ficar para cuidar dos outros filhos pequenos. Além do mais, Ester ainda não era cidadã norte-americana (e, portanto, não poderia consumar legalmente o processo).

Para complicar ainda mais a coisa, o orfanato me avisara de que nossa filha de um ano e 4 meses – que eu nunca tinha visto, exceto por uma foto pouco nítida enviada algumas semanas antes – era muito tímida e tinha medo de homens. Os funcionários me avisaram de que eu não deveria me surpreender se ela entrasse em pânico assim que me visse, pois geralmente gritava de medo toda vez que uma pessoa do sexo masculino entrava no local.

Quando chegou a hora da verdade, meu nome foi chamado, eu entrei na sala e uma funcionária colocou uma criança nos meus braços. Eu me preparei e... nada aconteceu. Ela não chorou, nem gritou. Com os punhos minúsculos se agarrou à minha camisa e me encarou. Para mim, foi como se tivéssemos estado juntos desde o momento em que ela nasceu.

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De volta aos EUA com nossa filha, Ester e eu tínhamos a impressão de sermos parte de um movimento de adoção estrangeiro. E a certeza de que a política pública, esclarecida, continuaria a afrouxar as exigências, propiciando um número cada vez maior de milagres como o nosso. Achávamos que as famílias mistas por opção, de nacionalidades diferentes, eram a tendência do futuro, reflexo da crença cada vez mais disseminada da solidariedade radical que transcendia as fronteiras e a biologia.

Erramos feio. O ano em que trouxemos nossa filha marcou o ápice das adoções internacionais; desde então só vêm caindo: em 2016, a redução foi de 77 por cento, ficando em apenas 5.372, o número mais baixo em 35 anos.

O que aconteceu? Certamente não foi falta de necessidade. De fato, segundo a Aliança Cristã de Órfãos, há mais de quinze milhões de crianças ao redor do mundo que perderam pai e mãe.

Em parte, tem a ver com as políticas dos governos estrangeiros, o que tornou o processo de adoção internacional mais difícil, tanto por motivos nacionalistas como por causa da corrupção e do tráfico humano. O nosso também não ajuda: os números encolheram ao longo da administração Obama, uma vez que o Departamento de Estado impôs novas normas em nome da redução dos abusos, que é uma grande preocupação para aqueles que adotam de determinados países (mas não da China, onde praticamente todos os bebês, como a minha filha, são abandonados no nascimento).

Motivadas por boas intenções ou não, essas mudanças fizeram com que milhares de órfãos deixassem de ser adotados – ou seja, é um preço alto demais para se pagar por minúcias burocráticas.

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Enquanto isso, mesmo que não afete em termos materiais as estatísticas da adoção estrangeira, ela tem sido criticada pelos movimentos políticos marginais dos EUA: as redes sociais do alt-right fervem com ataques à opção transracial e parte da extrema-esquerda denuncia “a campanha montada pelo setor megabilionário das adoções de que há milhares de órfãos ‘definhando’ nos orfanatos, esperando serem resgatados ou salvos”. O movimento virou o grande vilão corporativo.

Hoje minha filha está no primeiro ano do ensino médio. Passa tempo demais no Instagram, mas é excelente aluna. E o nosso experimento altruísta? Para falar a verdade, não sei nem me importo com os efeitos causados à minha renda ou à minha saúde, mas meu nível de felicidade dispara toda vez que ela olha para mim e eu me lembro do dia mágico em que nos conhecemos.

É algo que mais pais, mães e especialmente crianças merecem neste mundo tão infeliz.

Arthur C. Brooks é presidente do American Enterprise Institute e contribui regularmente com a coluna de opinião