Não foi em vão a passagem do ministro Joaquim Levy pelo governo e pelo Ministério da Fazenda. Se por um lado foi mal na política fiscal, tentou acertar na Previdência Social especialmente por sua visão fiscalista. Surpreendeu-se com o déficit de 2014, criticou a desoneração atabalhoada (vetor principal do déficit), levou um puxão de orelha, tentou acabar com ela, não conseguiu. Logo a contribuição sobre a folha de salários prevalecerá, como prevaleceu por 90 anos!

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Devo reconhecer que nunca um ministro da Fazenda tinha olhado para os desajustes da Previdência. Metia a mão nos efeitos, mas não olhava as causas. O tamanho do déficit de 2014, 2015 e 2016 acendeu a luz vermelha na Fazenda. Por sua vez, os ministros da Previdência, mesmo cientes e conhecedores das causas e dos efeitos dos desajustes, sempre temeram pôr as cartas na mesa, mesmo porque não eram ouvidos e respeitados. Os desajustes foram sobejamente esquadrinhados pelo Tribunal de Contas da União, que em diversos relatórios clamou por ajustes urgentes no financiamento, nas questões estruturais, na governança administrativa e nos benefícios.

Tínhamos pontos divergentes e convergentes com o Joaquim Levy e com o “Ministério da Fazenda Social”. Divergimos, por exemplo, porque ele manteve a receita previdenciária na Fazenda, não enxergando que é o principal problema da Previdência. Desconhecemos, na face da Terra, uma organização que não administre sua receita que é própria e de destinação definida. Só há uma razão para a receita previdenciária continuar na Fazenda: é de fonte, como a Receita Federal, e a segunda maior receita da república. A Receita Federal só sabe trabalhar com receita de fonte, não sabe trabalhar com receita declaratória. Levy ainda manteve a receita previdenciária como instrumento da política fiscal (exemplo ostensivo foi a desoneração contributiva), esquecendo que a contribuição previdenciária não é imposto.

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Nunca um ministro da Fazenda tinha olhado para os desajustes da Previdência

O ministro Levy também ignorou o Ministério da Previdência Social como formulador da política de Previdência Social, seguindo o script de seus antecessores, no conceito fiscal e tributário. Vetou o fator previdenciário, duas vezes derrubado pelo Congresso, duas vezes vetado pelo presidente Lula e pela presidente Dilma, e o Congresso manteve os vetos por duas vezes! Estranho Congresso que cospe nele mesmo! Além disso, avalizou o novo fator previdenciário.

Levy vetou o reajuste pela inflação para quem recebe beneficio acima do mínimo; vetou a desaposentação, mantendo-se a contribuição do aposentado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o que é uma iniquidade; defendeu a inclusão da receita previdenciária na Desvinculação de Receitas da União (DRU), elevando de 20% para 30% até 2026; detonou, por influência nefasta do ministro Nelson Barbosa, o abono de permanência em serviço, que segura servidores mal remunerados na administração pública, mas com vasta expertise, enquanto não há concursos para reposição de quadros. Além disso, os que estão com abono, ao se aposentarem, perdem 70% de seu rendimento!

Mas também tivemos pontos convergentes, como os ajustes nas pensões por morte, do Regime Geral de Previdência Social e dos Regimes Próprios. No RGPS, Levy deu um belo tranco nos casamentos de “velhinhos com menininhas”, pondo fim a uma generosidade que leva um benefício a durar 100 anos. Ele ainda fez ajustes na concessão do auxílio-doença. Só não foi mais longe porque foi barrado pelo Congresso. Há espaço para avançar, liquidando com a terceirização da perícia médica e com a judicialização do auxílio-doença. Tem de ter perito médico no CPRS e nas Juntas, bem como na nas subprocuradorias do INSS.

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O ministro detonou a desoneração desordenada, responsável pelo vultoso déficit da previdência em 2014 e aterrorizante em 2015; introduziu uma desoneração seletiva que é quase um desembarque da experiência maluca do ministro Nelson Barbosa. Levy abraçou a causa da idade mínima para homens e mulheres, elevando-se o tempo de contribuição de homens e mulheres, ingressando no complexo tema da demografia e do envelhecimento. Ele também abraçou a causa do fim da permanência dos trabalhadores rurais que não contribuem no RGPS, podendo ser atrelados à Loas ou a outro programa, sem se mexer na inclusão social. Ele foi ao Supremo pedir (em vão) ao ministro Levandowski ajuda para melhorar na gestão de cobrança da dívida ativa de R$ 1,5 trilhão. Dos 100 milhões de processos que inundam a justiça, 30% dizem respeito à dívida ativa. A Previdência tem R$ 300 bilhões na dívida ativa.

Os fiscalistas dificilmente leem meus artigos, minhas considerações, minhas propostas para a Previdência Social. Mas eu leio os deles.

Paulo César Regis de Souza é vice-presidente executivo da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps).