O chamado período de transição é dos mais importantes para um novo governo. Mormente quando o novo pretende e precisa ser a antítese do velho. Os fatos já estão acontecendo e há de se aprender deles e com eles. Vem aí o longo terceiro turno.
Já antes do pleito, percebida a inevitabilidade da derrota, o petismo começou a preparar a correspondente “narrativa” para uso nos planos interno e externo. Segundo ela, o partido teve frustrado seu projeto de volta ao poder em virtude de um suposto golpe desferido em dois tempos: a deposição de Dilma e a prisão de Lula. Os 58 milhões de eleitores que preferiram Bolsonaro simplesmente desaparecem dessa história.
Pergunto: não estava escrito na camiseta de José Dirceu, em verdadeira lição de resiliência, que “derrota não existe” e que “só perde quem desiste”? Pois é por esse caminho que seguirá o petismo, cujo momento mais difícil – é bom ter isso em mente – já passou. O PT atravessou a campanha levando um poste e pautas com mais de 50 anos. Doravante, seu trabalho se faz nas planícies oposicionistas. Será empurrado pelo desejo de revanche dos movimentos sociais, que verão estancadas suas fontes de financiamento; pela irada militância dos milhares de companheiros que perderão suas posições e se empenharão em retomá-las; pela mobilização dos militantes e ativistas estrategicamente instalados nos poderes e carreiras de Estado, no aparelho burocrático e no sistema de ensino. A estes, soma-se, ainda, parcela muito expressiva da chamada grande imprensa.
Já antes do pleito, percebida a inevitabilidade da derrota, o petismo começou a preparar a correspondente “narrativa” para uso nos planos interno e externo
Talvez seja ela que patrocina a maior burla à opinião pública. Desde que o resultado eleitoral pareceu pender para o lado direito, emissoras de televisão, jornais e revistas cuidaram de desenhar o arco ideológico de modo absolutamente artificial. Pela direita, sumiram os meios-tons, sumiram conservadores e liberais, sumiram a centro-direita e a própria direita. Restou apenas uma extrema-direita fascista, nazista, skinhead... Do lado esquerdo, ao contrário, restaram apenas civilizadíssimos meios-tons de uma centro-esquerda democrática, moderna, tolerante. Não faltou quem apresentasse o petismo como cordial e disponível interlocutor histórico para a harmonia e o entendimento.
De modo espontâneo e quase unânime, tais veículos cuidaram de transformar Jair Bolsonaro num espantalho e sua vitória, numa espécie de revolução dos aiatolás cristãos que levariam o Brasil a um período de trevas. Era preciso salvar a nação! A eleição de Bolsonaro significava ditadura, tortura, racismo, machismo, homofobia, misoginia, bicho de pé, gripe aviária, câncer de mama e seca no Nordeste. O petismo sabe que funciona.
Enquanto tudo isso passava e passa nas telinhas, nas telonas, nas páginas impressas e nos microfones, o PT preserva o hábito de reclamar da mídia. Por que o faz? Por que se queixa da imprensa, se ela o auxilia? Tal conduta, no entanto, confere credibilidade ao apoio recebido. “Se até os ‘inimigos’ na mídia estão dizendo algo que favorece o PT, então o que falam deve ser verdade”, haverá de pensar o público mais ingênuo. Esse filme – saibam – queima celuloide rolando desde os anos 90.
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Ao novo governo, que está selecionando uma boa equipe, cabe, agora, cuidar da gestão e do jogo. O terceiro turno é irrecusável porque os adversários continuam jogando. Há de vencê-los segundo a regra e defender-se dos que, sabidamente, apelam para o tranco, o puxão da camiseta, a simulação, o carrinho por trás, a cama de gato. E, principalmente, há de mostrar à sociedade que a simples aplicação dos princípios conservadores não é parto sem dor para uma vida melhor. Não há parto sem dor. O novo Brasil será filho necessário e amado, também, das duras reformas que precisam ser feitas.
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