Algumas vezes, nestes escritos breves que vou produzindo a cada semana, repeti uma declaração que reconheço mórbida. Há duas coisas inevitáveis na vida: a morte e, na sociedade moderna, suportar os tributos.
Há, entretanto, uma inexorável regra isonômica que iguala todos os seres humanos. O dom da vida é limitado. Algum dia, em tristeza para os que restam, ela se encerra.
Enfrento tempo de provação. O filho primogênito, o Osíris, neto, partiu. O sentimento de perda abala Malvina, sua mãe, Othon, seu irmão, Ana, esposa. Parentes e amigos, nos dias de alegria e bailes carnavalescos, em solidariedade, nos comoveram pela torcida em favor de sua permanência viva e atuante entre nós. Não foi possível realizar o que todos, unidos, desejávamos.
Uma queda no banheiro afetou-lhe o cérebro, ocasionando a partida prematura. A sua chegada no mundo e, agora, sua partida solidificaram os laços de solidariedade e amor nestes quarenta anos de união entre seus pais. Durante a gravidez que o gerou, a Malvina teve rubéola, que podia afetar o feto em formação, se tivesse sido contraída nos primeiros três meses. Foram muitos meses de tensão. Mas fizemos a opção por dar-lhe a oportunidade de nascer e viver. E que vida rica teve, para nossa alegria e felicidade. Cedo assumiu responsabilidades de decidir sobre interesses e destinos dos outros. Formou-se em Direito aos vinte anos e aos 21 anos já era juiz, após uma batalha judicial para afirmar seus direitos estabelecidos pela Constituição de 88 a não discriminação em função da idade.
Após alguns anos de magistratura, decidiu ingressar na Procuradoria Jurídica do Distrito Federal, o que lhe possibilitou advogar.
Aí iniciamos um período de unidade familiar, no escritório que montamos. Pais e filhos vivenciamos uma relação de companheirismo profissional. Aprendi muito com meus filhos, e tive feliz retribuição a proteção filial. Devo reconhecer que as virtudes de prudência e cautela não foram absorvidas por mim, em prodigalidade. Meus dois filhos refreavam meus destemperos, com a serenidade que possuem. Magistério, advocacia e procura da afirmação da justiça, pela correção deste mundo injusto, foram causas comuns a presidir nosso exercício profissional.
Ultimamente, ele estava feliz, pois ganhara bolsa da Fundação Fulbright para pós-graduação nos Estados Unidos. E no funeral de um amigo querido da família, havia confidenciado, em premonição, a seu irmão, Othon, o desejo de, quando morresse, ser cremado e que não houvesse sofrimento de seus pais e suas cinzas ficassem em liberdade. Está sendo atendido, no que é possível. O sofrimento, a dor da perda, vão sendo substituídos pela conformação ao desígnios do imponderável, que presidem nossa frágil existência.
Foi um tempo de provação e de sentimentos religiosos elevados que vivenciamos neste carnaval. E também de solidariedade humana. Amigos, ex-colegas de magistratura, de colégio, de magistério, procuradores, médicos, clientes, compareceram com seu calor fraterno quando necessitávamos. Estou consciente que sua vida foi orientada segundo uma velha regra jurídica fazer o bem e o justo, viver honestamente e não prejudicar a ninguém.
Osiris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília UnB e ex-secretário da Receita Federal.
E-mail: osirisfilho@azevedolopes.adv.br