Desde que assumiu o cargo, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem se esforçado em modernizar a instituição. É nítido seu empenho em trazer novas ideias e imprimir ao BC uma postura mais arrojada.
Ao promover operações de venda direta de dólares ao mercado financeiro, o BC segue exatamente nessa linha: trata-se de novos ares, de modernização. E de mais um passo rumo à estratégia de transformar o real em uma moeda de conversibilidade plena, ou seja, que não tenha restrições no seu comércio com outras moedas.
É legítimo reavaliar quaisquer procedimentos, desde que se faça isso em sintonia com as condições de mercado. Não se trata, em absoluto, de uma piora do mercado cambial brasileiro, ou de uma tentativa de segurar o preço do dólar.
Também é fato que o Brasil tem reservas bastante expressivas (US$ 388 bilhões), e que estas custam caro.
O Brasil tem reservas abundantes e, graças a elas, consegue encarar uma crise mundial relativamente bem
Conforme foi noticiado pela imprensa, o BC notou que, nos últimos meses, grandes empresas brasileiras estão quitando operações de crédito feitas no exterior e buscado novas alternativas de financiamento aqui mesmo, no Brasil. Ou seja: elas têm promovido uma espécie de “rolagem” da dívida, com a substituição de credores externos por financiadores nacionais. De julho de 2018 a junho de 2019, o percentual de redução no saldo dos títulos emitidos por empresas no mercado externo foi de 34,5%, praticamente idêntico ao de elevação do saldo de títulos de dívida emitidos no Brasil, que foi de 34,4%.
Como o pagamento das dívidas contraídas no mercado externo exige que se opere em dólares, as empresas têm precisado comprar a moeda americana. Não foi raro, nos últimos meses, ver o dólar encostar no valor de R$ 4, ou mesmo ultrapassá-lo, em algumas ocasiões.
Para suprir a demanda por dólares, o BC vinha efetuando os chamados “leilões de linha”. Estes funcionam da seguinte maneira: a autoridade monetária vende os dólares no mercado, mas se compromete com sua recompra. Agora, as vendas passarão a ser diretas, isto é, sem compromisso de recompra, e acontecerão em lotes diários. Isso vai facilitar bastante a vida dos empresários que hoje trocam o endividamento externo pelo financiamento local.
O BC também anunciou que realizará leilões de swaps reversos. Nesse tipo de operação, a autoridade monetária realiza uma “troca” com as instituições financeiras, equivalente à compra de dólares, mas sem a efetiva troca física de moedas.
Para melhor entender a dinâmica dessa operação, vale esclarecer que, no swap tradicional, o BC paga, ao investir, o percentual relativo à oscilação do dólar, mais um prêmio. Caso o resultado seja diferente do esperado, cabe ao investidor restituir ao BC a diferença da taxa de juros percebida no período. Trata-se de uma aplicação em que os investidores lucram se os juros subirem mais do que o dólar.
No swap reverso, o funcionamento é semelhante ao do swap tradicional, mas com “sinais trocados”. Ou seja: neste caso, o BC oferece aos compradores os juros do período, e o investidor remunera a autoridade monetária conforme a oscilação cambial do período.
Ao anunciar as medidas, o BC deixa claro que o objetivo é manter as reservas atuais, liberando apenas o montante que seria agregado ao saldo existente já a partir de 1.º de setembro. Portanto, a posição cambial líquida do BC não sofrerá mudanças.
Deve-se salientar que não existe paralelo entre o atual cenário e a situação que o País vivia em fevereiro de 2009, quando o BC foi obrigado a ofertar dólares ao mercado para manter a liquidez, após o estouro de uma crise mundial de grande proporção. Hoje, não há nada sequer parecido no horizonte.
Ao contrário: o Brasil tem reservas abundantes e, graças a elas, consegue encarar uma crise mundial relativamente bem. De fato, as reservam cambiais funcionam como um seguro – e um seguro pode e deve ser usado quando necessário. Se o momento é este, temos motivos para confiar que o BC esteja fazendo a escolha mais sensata. E, se vamos usar esse seguro via swap, por meio da venda de dólares à vista ou pela venda de dólar futuro, esta é uma decisão técnica, operacional, e não uma mudança radical da postura do BC.
É um alinhamento com a modernização, apenas. E isso merece ser comemorado.
Mauro Morelli é estrategista da assessoria de investimentos Davos.
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