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Veneno do campo à nossa mesa

Inflação de novembro veio acima da meta e é exemplo da pressão exercida pela alta nos preços dos alimentos.
Imagem ilustrativa. (Foto: Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo)

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O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, e o segundo maior comprador quando se fala de substâncias já proibidas na Europa, de acordo com levantamento da organização suíça Public Eye. Apenas em 2020, 493 novos compostos químicos foram liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Como se não bastasse o uso desenfreado desses produtos que colocam em risco o meio ambiente e a saúde da população, um estudo inédito realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) detectou a presença de agrotóxicos em produtos que são consumidos diariamente na mesa de muitos brasileiros, como bisnaguinha e bolacha recheada.

A pesquisa analisou 27 produtos ultraprocessados, divididos em oito categorias; destas, seis apresentaram resíduos de agrotóxicos. Caso do glifosato, usado como herbicida nas lavouras de soja, trigo, milho e cana de açúcar. O estudo desconstrói ainda a falsa percepção de que agrotóxicos estão presentes apenas em alimentos in natura e nos permite afirmar que os ultraprocessados são prejudiciais em diversos aspectos. Por um lado, são produtos que colocam em risco o meio ambiente, por contarem com um sistema produtivo que, entre outros aspectos, depende do uso de agrotóxicos; por outro, conforme muitos nutricionistas e médicos já alertaram, por serem produtos com alto teor de açúcar, sal e gordura, estão associados ao aumento dos índices de diversas doenças crônicas não transmissíveis, prejudicando a qualidade de vida e provocando mortes precoces.

Em meio a este cenário, ainda é preciso lidar com a forte influência política de ruralistas na área da alimentação que defendem o uso indiscriminado do glifosato como uma “necessidade para melhorar a produção agrícola”. No entanto, os impactos dos agrotóxicos para a saúde envolvem intoxicações agudas, quer intencionais ou não, sobretudo entre trabalhadores rurais, produzindo efeitos crônicos comprovados que decorrem do acúmulo de pequenas quantidades dessas substâncias no organismo. Em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc), da Organização Mundial da Saúde (OMS), concluiu com base em centenas de pesquisas que o glifosato era “provavelmente carcinogênico” para humanos.

Publicações da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) descrevem como consequências diretas do consumo de agrotóxico os sintomas agudos e crônicos de alergias respiratórias, asma brônquica, fibrose pulmonar, diferentes tipos de câncer, arritmias cardíacas, doença de Parkinson, lesões hepáticas e renais, entre outros problemas. Essa mesma publicação destaca que um estudo realizado em 2011, no Mato Grosso, identificou que até mesmo o leite materno pode conter resíduos de agrotóxicos.

Preocupado em suprir lacunas em prol dos direitos dos consumidores por uma alimentação mais saudável, o Idec destaca nessa recente pesquisa a falta de regulação e de monitoramento em relação à presença de resíduos de agrotóxicos em produtos ultraprocessados. É urgente que os órgãos reguladores ampliem essa fiscalização e que o Estado adote medidas que favoreçam escolhas alimentares mais saudáveis e sustentáveis. A população merece ser informada a respeito da contaminação do que está comendo e dos riscos desses produtos para a saúde. Veneno na mesa? Não, obrigado!

Rafael Arantes é analista em Regulação do Idec.

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