Tudo leva a crer que o caos político, econômico, social e humanitário da Venezuela dificilmente será resolvido com uma “solução pacífica” ou mesmo com “diálogo”, por maiores que sejam os desejos da comunidade internacional que isso aconteça. Isso por uma razão muito simples: para que haja um real diálogo, é necessário que as duas partes de um conflito estejam dispostas a tanto, e o chavo-madurismo faz questão de demonstrar que não tem o mínimo interesse no diálogo, não está nem um pouco interessado na situação dramática dos cidadãos venezuelanos e muito menos em abrir mão do poder. Ao chavo-madurismo só interessa uma coisa: perpetuar-se indefinidamente no poder. Isto está levando a Venezuela a uma situação praticamente insustentável, que apresenta todos os sinais de estar claramente à beira de uma ruptura.
A Venezuela é oficialmente uma ditadura desde 2017 quando Nicolás Maduro não aceitou a oposição da Assembleia Nacional e muito menos a ruptura com o chavismo por parte da ex-chefe do Ministério Público venezuelano, a ex-Procuradora Geral da Venezuela Luisa Ortega. Para livrar-se desta oposição, Maduro deu um verdadeiro golpe de Estado clássico e convocou uma Assembleia Nacional Constituinte (também chamada de La Prostituyente pelos opositores do regime), que, com a desculpa de dar à Venezuela uma nova constituição (num país que já teve 26 constituições!), serviu até o momento para duas coisas somente: a) destituir a ex-Procuradora Geral Luisa Ortega, que hoje vive refugiada na Colômbia; e b) usurpar de fato o poder da legítima Assembleia Nacional, eleita de acordo com as regras da Constituição chavista de 1999. O Tribunal Superior de Justiça do país serve para dar um “verniz de institucionalidade” ao regime, servindo tão somente para referendar e legitimar a vontade do ditador e usurpador Nicolás Maduro.
O Tribunal Superior de Justiça do país serve para dar um “verniz de institucionalidade” ao regime
No lado econômico, a Venezuela teve uma hiperinflação de 1.700.000% em 2018, e a previsão para 2019, segundo o FMI, é de uma hiperinflação de 10.000.000%, o que evidentemente reduziu completamente o poder de compra da moeda venezuelana. A título de comparação, o Brasil nos seus piores momentos inflacionários chegou a ter uma inflação anualizada de 150.000% em março de 1990. Desde que Maduro assumiu o poder, o PIB já caiu mais de 50%, mais de 13% da população já emigrou para países vizinhos, a maior parte para a Colômbia, fugindo da fome, da violência, do desespero e do terrorismo estatal. Há inclusive relatos de pessoas matando cães de ruas, gatos e até mesmo pombos para se alimentar.
Diante desse quadro verdadeiramente apocalíptico e distópico, podemos nos perguntar: como um regime desta natureza, que destruiu a Venezuela e o seu povo, se sustenta? Ou melhor, quem o sustenta? A resposta é simples: os militares e milícias paramilitares, corrompidos e enriquecidos pelo regime; além do apoio econômico e geopolítico de dois países importantes no cenário internacional: a Rússia e a China. Se não fosse o apoio econômico, geopolítico e militar do eixo Moscou-Pequim, aliado à fidelidade de militares comprados e corruptos do país, o regime chavo-madurista já teria sido derrubado por uma população faminta, violentada e desesperada, que maciçamente o rejeita, como vimos claramente nas marchas do dia 23 de janeiro.
Só um milagre de fato pode fazer com que a solução para o caos venezuelano venha por vias “pacíficas” ou por meio do diálogo. Mesmo quando o regime fala em “dialogar”, o que ele quer, na verdade, é ganhar mais tempo, conseguir uma sobrevida. Em minha opinião, dada a fidelidade dos militares e o apoio russo-chinês, a situação venezuelana tenderá a seguir com a manutenção do regime ou, caso tenhamos uma ruptura, ela fatalmente será conflituosa. Todos os elementos indicam que o mais provável que venha a acontecer seja uma ruptura violenta, dado o nível de degradação ao qual chegou o país e a incapacidade do regime de resolver os problemas por ele mesmo criados.
Leia também: A ditadura venezuelana e seus cúmplices brasileiros (editorial de 24 de setembro de 2018)
Leia também: O renascimento democrático da Venezuela (artigo de Elton Duarte Batalha, publicado em 24 de janeiro de 2019)
Se a ruptura acontecer, e de modo violento, três são as soluções possíveis. Em minha opinião, a menos provável é a de uma intervenção externa, como no caso da intervenção no Iraque. O custo político, econômico e militar, bem como a ameaça de uma guerra com a Rússia e a China tornam esta possibilidade bastante remota, ainda que possível. A segunda possibilidade seria a de um golpe de Estado clássico, dado por generais que se rebelariam contra o regime. Dado o controle que Nicolás Maduro tem sobre as Forças Armadas venezuelanas, o grau de corrupção das mesmas e o lucro que elas têm com o regime, creio que esta também é uma possibilidade distante.
Temos então, a terceira e mais concreta possibilidade de ruptura: a eclosão de uma guerra civil. Tecnicamente, podemos dizer que a Venezuela já está numa guerra civil “branca” desde o dia 10 de janeiro, quando a Assembleia Nacional declarou que Nicolás Maduro é um “usurpador” e que o seu governo é “ilegítimo”. Tecnicamente, já temos um conflito entre o Executivo e a Assembleia Nacional. A nomeação de Juan Guaidó como “presidente legítimo” no dia 23 de janeiro, prontamente reconhecido pelos Estados Unidos, Canadá, Brasil, por quase toda a América do Sul e por 50 países do mundo só pôs mais água quente nesta fervura. O fato de Guaidó não estar preso e inclusive já estar despachando oficialmente já evidencia a incapacidade do governo Maduro de controlar a situação, a real fragilidade de um regime que ainda ostenta força. Assim, desde 23 de janeiro a Venezuela tem dois presidentes e a sua presidência está oficialmente “disputada”, numa visível guerra civil, ainda que “branca”, por enquanto.
Leia também: Como o mundo pode ajudar a Venezuela (artigo de Juan Guaidó, publicado em 1.º de fevereiro de 2019)
Leia também: A Venezuela reage (editorial de 23 de janeiro de 2019)
Como este conflito “branco” vai evoluir? A manutenção indefinida da situação atual, com a existência de dois presidentes no país é insustentável. Duas são as alternativas que se apresentam no horizonte: ou uma das partes cederá e o conflito arrefecerá, ou a situação evoluirá rapidamente para uma conflagração violenta. Como nenhuma das partes dá sinais de que cederá, o que falta para uma guerra civil de fato (e não mais “branca”) é apenas a reunião em torno de Juan Guiadó e da Assembleia Nacional de um exército armado (inclusive de militares e paramilitares desertores – já beneficiados com a anistia oferecida pela Assembleia Nacional). O clima na Venezuela está cheio de pólvora, gasolina, nitroglicerina, ou seja, os explosivos e os “combustíveis” estão aí. Uma guerra civil violenta pode explodir a qualquer momento. Como em toda explosão, bastará apenas que surja uma mínima faísca.