A máxima “conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará”, do capítulo 8 do Evangelho de João, nunca foi tão necessária quanto nos nossos dias. Depois dos atos deploráveis do 8 de janeiro, que para sempre serão uma página vergonhosa nos livros de história do nosso país, tornou-se urgente desvendar questões que ficaram sem resposta. Como uma manifestação pretensamente pacífica descambou naquele imenso quebra-quebra, levando à prisão centenas de civis? Quem havia sido informado pelo serviço de inteligência do Estado e deliberadamente não agiu? Quem concorreu para que o aparato de segurança fosse tão perigosamente reduzido e sua ação retardada, mesmo sabendo da mobilização de extremistas com o intuito de ocupar e destruir as sedes dos Três Poderes?
Desde aquele domingo tão triste a sociedade brasileira vem assistindo, estupefata, ao embate entre fatos e narrativas que tem marcado este ano de 2023. E, pelo que temos visto, não há previsão de trégua. Todas as explicações sobre o que ocorreu que foram dadas à população até agora foram baseadas em pontos de vista parciais, eivados das tendências ideológicas de quem os manifestava. Bem poucos fatos, se fato algum, foram realmente investigados e apurados de forma isenta, desapaixonada e aprofundada.
É uma questão de trazer a verdade à tona e descobrir o real protagonismo desse momento tão deplorável a história brasileira recente.
No âmbito do Parlamento, a busca pela verdade é feita por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito, as CPIs – que, quando envolvem as duas Casas do Congresso Nacional, são chamadas Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMI). A constituição de uma CPMI para investigar o 8 de janeiro foi requerida pelo deputado federal André Fernandes (PL-CE), ainda durante a limpeza dos escombros daquele domingo.
Os deputados federais e senadores da República que apoiaram o pleito de Fernandes pedem uma apuração ampla e profunda dos atos e omissões que descambaram na violência e destruição generalizada daquele dia. O Brasil inteiro sabe que o assunto é urgente, mas até hoje – mais de 100 dias depois dos acontecimentos – apesar de requerimento já ter sido lido em Plenário, a comissão ainda não foi instalada.
Ora, por quê? É evidente que as dúvidas são muitas e bastante incômodas, ao passo em que há o desejo manifesto de dezenas de parlamentares de se apurar a verdade. Resta, então, a cada brasileira e brasileiro, perguntar-se: a quem interessa impedir que se investigue os acontecimentos da jornada de 8 de janeiro? Como já foi dito, não se trata de mero jogo político, e sim de se confrontar fatos contra narrativas. Sendo membro à época da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, tive acesso a documentos importantes que atestam que altas autoridades do governo recém-empossado foram, sim, informadas, com toda antecedência necessária, de que milhares de manifestantes estavam de dirigindo à Brasília para a manifestação do segundo domingo de 2023.
E não foi só isso. Os órgãos de inteligência também informaram em detalhe que havia extremistas de direita infiltrados entre os manifestantes acampados em Brasília. Mais grave ainda, fizeram saber que havia a intenção deliberada de algumas dessas pessoas de causar violência e desordem quando a massa de inocentes úteis que lhes servia de cobertura – pais de família, idosos, mulheres e crianças – chegasse à Esplanada dos Ministérios naquele dia.
Esses documentos ainda estão protegidos por sigilo, que só pode ser quebrado por força da determinação de uma CPMI. E é uma imposição moral que esse sigilo seja levantado o quanto antes. A sociedade brasileira merece saber quem foram essas pessoas de alto escalão que receberam essas informações classificadas. Mais do que isso, merece saber quais providências foram ou deixaram de ser tomadas em face desses dados tão importantes e também qual foi a motivação para essas ações ou omissões.
É uma questão de trazer a verdade à tona e descobrir o real protagonismo desse momento tão deplorável a história brasileira recente. Trata-se de atribuir responsabilidades a quem de direito, de resgatar biografias injustiçadas e de punir quem prevaricou da sua obrigação constitucional de proteger as instituições democráticas em nome da criação de um fato político deletério. O Congresso Nacional deve isso ao povo que o elegeu.
Marcos do Val é senador pelo Podemos.
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