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Campanhas eleitorais são episódios inerentes aos processos democráticos e cumprem tarefa indispensável ao esclarecimento dos eleitores sobre os candidatos. Imagine uma campanha em que os donos da eleição, em nome da preservação da paz e reprovando a polarização como coisa imprópria ao ambiente político, obrigassem os concorrentes a resumir sua publicidade ao anúncio das próprias virtudes e às usuais promessas de enganar bobo. Em campanha assim conduzida, um Marcola poderia eleger-se presidente do Brasil.
Polarização é algo natural ao ambiente político. Para amplo esclarecimento dos eleitores, é preciso que os candidatos se confrontem e revelem o que os concorrentes ocultam, mormente em disputas de segundo turno de eleições majoritárias, como são as presidenciais. No nosso ordenamento jurídico, onde faltar a boa condução da publicidade levando a excessos e mistificações, cabe à Justiça Eleitoral a devida arbitragem e correção. Mas... e quando essa mesma Justiça determina como falso o que é sabidamente verdadeiro?
Lula é a favor do aborto e tem estreitas ligações com o ditador stalinista Daniel Ortega. Os primeiros dias do governo comprovam isso.
Tratarei aqui de três temas vedados na campanha presidencial de 2022 e que se tornaram pautas do novo governodes de seus primeiros dias: a posição de Lula sobre aborto, a corrupção nos governos de Lula, a relação de Lula com o bandido ditador da Nicarágua.
Durante a campanha eleitoral, foi proibido mencionar a posição favorável ao aborto, explicitada e justificada em público por Lula. A questão era e continua sendo importante para o eleitorado cristão. Passados apenas 17 dias da posse, o novo governo anunciou a retirada do Brasil do Consenso de Genebra, importante acordo internacional em defesa da vida.
Durante a campanha eleitoral, foi determinado ao canal Brasil Paralelo que retirasse do ar um vídeo com referências aos casos de corrupção durante os governos petistas, judicialmente comprovados no processo do Mensalão e nas investigações e julgamentos da Lava Jato. Foi no voto do ministro Levandowski, ao fechar por 4 a 3 o placar censor no TSE, que nasceu a expressão “desordem informacional” porque o conteúdo comprometeria “a autodeterminação coletiva, a livre formação da vontade do eleitor”. Matéria do site Poder 360 mostra as consequências desse passado na formação do governo eleito, problema se revela na insistência por retomar o nefasto comando político das estatais.
Durante a campanha eleitoral, a Gazeta do Povo teve censurado conteúdo em que abordava as relações de Lula com Daniel Ortega, o stalinista ditador da Nicarágua. Junto com o jornal, em caráter liminar, o TSE determinou que Twitter e Facebook removessem 31 postagens de diversas fontes sobre o apoio de Lula ao ditador. Os fatos eram e são tão conhecidos. As parcerias nacionais e internacionais dos candidatos são informações importantíssimas para o correto discernimento dos eleitores, principalmente quando orientam inseguros financiamentos nacionais para obras públicas no exterior.
No último dia 3 de março, ocorreu uma audiência da Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre a questão nicaraguense. O relatório dos especialistas da organização menciona “execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, tortura e privação arbitrária da nacionalidade e do direito de permanecer no próprio país”. Um desses especialistas prossegue: “Eles [os crimes] são cometidos de maneira generalizada e sistemática por motivos políticos e constituem crimes de lesa-humanidade de assassinato, prisão, tortura, incluindo violência sexual, deportação e perseguição por motivos políticos”. Cinquenta e cinco países, inclusive Cuba, se manifestaram em dura carta de reprovação ao regime de Ortega. O Brasil ficou em silêncio.
Só quatro dias mais tarde, quando esse silêncio se fez ouvir no Brasil, o governo disse na ONU que acompanha “com a máxima atenção” e está disposto a “explorar maneiras pelas quais essa situação possa ser abordada de forma construtiva, em diálogo com o governo da Nicarágua e com todos os atores relevantes”. A “forma construtiva” não inclui a difícil ressurreição dos mortos nem as impossíveis eleições livres.
Concluindo: em nada contribui para a pacificação dos ânimos o Estado se tornar agente daquilo que tão diligentemente reprova. Ao carimbar como falso aquilo que é verdadeiro, proclama verdadeiro aquilo que é falso. Falar sobre a corrupção nos governos de Lula e do PT não é desordem informacional. O Mensalão foi julgado no TSE e a Operação Lava Jato é tema que os ministros conhecem bem de perto. Lula é a favor do aborto e tem estreitas ligações com o ditador stalinista Daniel Ortega. Os primeiros dias do governo comprovam isso.
Percival Puggina, arquiteto, empresário e escritor, é membro da Academia Rio-Grandense de Letras, e autor das obras “Crônicas contra o totalitarismo”; “Cuba, a tragédia da utopia”; “Pombas e Gaviões”; e “A Tomada do Brasil”. É integrante do grupo Pensar+ e autor do site Liberais e Conservadores.