No conjunto de reformas institucionais que o país reclama, deve-se inserir, além das mudanças em nosso modelo político (leia-se sistema partidário e eleitoral), o revigoramento da Federação, hoje fragilizada pela enorme concentração de poderes no governo federal.
Não menor deve ser o empenho em cogitar também do aperfeiçoamento dos Poderes da República Legislativo, Executivo e Judiciário , em que pese o passo importante que o Judiciário operou, em articulação com o Congresso Nacional, viabilizando a aprovação da Emenda Constitucional n.º 45 e de leis que a regulamentam.
Sem desejar analisar a questão do Executivo Federal, agora caracterizado por um pletórico número de ministérios e órgãos colegiados gerando conflitos e significativa dispersão de recursos, o fato é que o Executivo, tanto quanto o Legislativo, ainda precisa de modernização em seus respectivos processos decisórios.
Relativamente ao Congresso Nacional, urge superar a dificuldade em deliberar quanto à ação fiscalizadora e à agenda legislativa, por sinal as duas mais importantes tarefas da instituição.
A explicação para tal fenômeno consiste indubitavelmente na grande quantidade de medidas provisórias editadas pelo Executivo, sem observar os pré-rrequisitos de urgência e relevância, a que se acrescenta o trancamento da pauta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal estabelecido por emenda constitucional, obstando a aprovação de matérias de iniciativa do próprio Legislativo.
Acresça-se a isso a circunstância de que emenda constitucional prescreveu semelhante tratamento para os vetos do Executivo, conquanto sejam apreciados em sessão conjunta do Congresso Nacional e não isoladamente em cada uma das casas geram, de igual forma, o trancamento da Ordem do Dia da instituição.
Desde a Constituição do Império às que lhe sucederam durante o período republicano, todas, com pequenas diferenças, conferiram ao imperador ou aos presidentes da República o poder de vetar total ou parcialmente projetos de lei aprovados pelo Legislativo. Importa, contudo, salientar que a vigência ou não da lei vetada ou parte dela, somente se completa com a manifestação do Legislativo, com a rejeição ou aprovação do veto. É o que dispõe o § 6.º do art. 66 com a redação dada por emenda de 2002: "Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4.º [trinta dias a contar do seu recebimento], o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas todas as demais proposições, até sua votação final". Tal, todavia, não vem ocorrendo.
Observa o Professor José Afonso da Silva, no seu livro Processo Constitucional de Formação das Leis: "O principal e imediato efeito decorrente do exercício do poder de veto é o de suspender a transformação do projeto de lei ou parte dele em norma jurídica acabada e definitiva, dando como conseqüência a exigência de uma nova consideração do Legislativo sobre a matéria". E acrescenta: "Daí surge um incidente no processo de elaboração da lei, turbando-lhe o iter normal. Incidente de natureza procedimental, que pode ter mero caráter suspensivo ou se tornar definitivo, truncando a possibilidade de virem os interesses, relativos à matéria indicada, a se tornar objetos de proteção jurídica".
Para se ter uma dimensão aproximada do nosso "déficit deliberativo" com relação aos vetos apostos pelo Executivo, há, pendente da análise do Congresso Nacional, 140 projetos de lei vetados, perfazendo 881 partes sobre as quais incidiu a negação do Poder Executivo.
Se a tal cifra aditarmos 19 projetos de lei com 181 dispositivos vetados, ainda sequer lidos, conforme exige o Regimento Comum do Congresso Nacional, o total de proposições que tiveram negada sua aprovação pelo Executivo atinge número talvez sem precedente na história do Parlamento: 159 projetos de lei e 1.062 partes a serem apreciados. Vale explicitar que remanescem sem análise uma proposição do período governamental do presidente Itamar Franco; 28 do octoênio do presidente Fernando Henrique Cardoso; e 130 do atual presidente da República. É muito provável que, ao encerrar este mês, o número de projetos vetados, ou parte deles, seja bem mais elevado.
A óbvia conclusão que se extrai do exposto é que tudo isso contribui para, ao lado da reconhecida incapacidade de nossas instituições darem resposta às demandas da sociedade, aumentar a incerteza e a insegurança jurídicas de que tanto padece o país. Pois, como preconizou Norberto Bobbio em "A democracia em questão": "Nos últimos anos, os termos-chave da teoria do governo mudaram outra vez: não se fala (...), tampouco de governo máximo e governo mínimo, mas de governabilidade e ingovernabilidade".
Marco Maciel é senador e membro de Academia Brasileira de Letras