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Vícios individuais, atraso coletivo

Por que o Brasil, de território imenso, riquezas naturais abundantes, multirracial continua pobre, atrasado, violento e com baixa ética social? (Foto: Pixabay)

Início de ano novo, último ano da segunda década do século 21, é bom momento para nós, o povo brasileiro, olharmos no espelho e perguntarmos: por que o Brasil, de território imenso, riquezas naturais abundantes, multirracial, influenciado por cultura europeia e com tantos fatores favoráveis, continua pobre, atrasado, violento e com baixa ética social?

Não vamos passar a mão na cabeça de nós mesmos, nem achar que a autocrítica é uma forma de autodepreciação indevida. É melhor falar e encarar nossas mazelas, nossos erros, nossa falta de cultura e nossos vícios sociais. A palavra “cultura” aqui significa o conjunto de crenças, hábitos, jeito de ser, comportamento usual e condutas públicas. Em certo contexto, cultura é sinônimo de saberes teóricos, conhecimento científico, domínio de técnicas práticas e eficiência coletiva.

Ressalvando que toda análise curta é reducionista e não cobre todos os contornos do problema nem se aplica igualmente a toda a população, sugiro pensarmos sobre quatro culturas observadas na sociedade brasileira, as quais certamente fazem parte dos fatores que atrasam o país.

  1. A cultura do individualismo. O ser humano tem dois desejos em certa medida conflitantes: o desejo de ser livre e o desejo de viver em sociedade. Pelo primeiro, ele quer fazer tudo o que deseja e atender suas vontades, sem ser impedido. Pelo segundo, ele quer conviver, confraternizar e se relacionar com outros seres humanos. O drama é que o homem (no sentido de espécie, é claro) por definição é um ser imperfeito, e sua mais radical característica é a absoluta diferença individual. Aí começam as complicações.

Muitas vezes, o atendimento de meu desejo conflita com o desejo dos outros. A cultura do individualismo é baseada no lema: danem-se os outros, eu farei o que quero. Certo dia, um casal senta no banco de uma praça de alimentação em um shopping center, conduzindo dois cachorros que latiam desesperados. Passado um tempo, alguém iniciou uma briga feia, pelo casal estar com cachorros ao lado de comida exposta e pelo desrespeito em relação aos outros. Esse tipo de conduta individualista e indevida é comum no Brasil.

  • A cultura do egoísmo. No Natal ou quando uma tempestade destrói casas, é comum vermos milhares de pessoas doando roupas e alimentos, e a hipocrisia diz que “nosso povo é solidário”. Nada mais falso. Exemplos isolados e episódicos não endossam essa história de que nosso país é uma sociedade solidária. No ranking dos países em que a população faz doações a entidades filantrópicas, os estudantes fazem trabalham voluntário e instituições sociais vivem de doações financeiras, o Brasil é classificado como um dos países menos solidários do mundo.

Pensemos: quantos profissionais, empresários e políticos bem-sucedidos fazem doações para instituições de caridade, casas filantrópicas e organizações beneficentes? Quantos ricos devolvem algo de suas fortunas para as escolas nas quais estudaram de graça? A resposta é: quase ninguém. É bem verdade que parte desse egoísmo resulta da crença de que somos uma sociedade corrupta, logo, não fazemos doações por crermos que vão desviar nosso dinheiro.

  • A cultura da corrupção. Nesta, o Brasil é um dos campeões mundiais. A corrupção invadiu o organismo social brasileiro, contaminou o setor estatal, reduziu a ética pública, incutiu a cultura da desconfiança, faz o país desperdiçar recursos e ajuda a aumentar a pobreza. Uma matéria publicada no jornal Valor Econômico, no dia 4 de janeiro passado, sob o título “Brasileiros tendem a aceitar ações antiéticas”, cita uma pesquisa sobre teste de integridade na qual 46% dos submetidos ao teste desviaram bens de suas empresas ou não denunciaram colegas corruptos ou fraudadores.
  • A cultura da ignorância. Pelo baixíssimo número de livros vendidos e pelo índice de leitura por habitante, estamos nos últimos lugares. As estatísticas estão disponíveis na Internet e, mesmo considerando a baixa renda média por habitante, os dados garantem: o povo brasileiro lê muito pouco. Não seria exagero dizer que somos um povo com opinião demais e conhecimento de menos. Há quase um certo desprezo pelo conhecimento.

Para mim, a Internet, os smartphones, o whatsapp e o mundo digital diminuíram drasticamente a verdadeira leitura, a leitura de livros. Um dos vários efeitos disso é a destruição da língua portuguesa. A continuar assim, em pouco tempo não existirá uma língua portuguesa, mas apenas um amontoado de frases e estrutura gramatical pobre e confusa. Hoje, na média, fala-se mal e se escreve mal, mesmo entre diplomados em curso superior. E ninguém se envergonha disso.

Aí estão vícios individuais, que provocam atraso coletivo e mantêm o país pobre. Alguém pode discordar do tamanho do problema, mas não de sua existência.

José Pio Martins é economista e reitor da Universidade Positivo.

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