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Opinião do dia 1

Vida e palanques

A cada dois meses nova engenhoca che­­ga ao mercado para massificar informações e vender a sensação de que es­­ta­­mos em vias de saber tudo, mas a hu­­manidade nunca esteve tão confusa e tão distan­­te do conhecimento.

A equipe do geneticista americano Craig Venter não inventou a vida a partir do zero co­­mo foi entendido por alguns. Os cientistas tra­­balham no projeto há 15 anos e finalmente conseguiram replicar e reprogramar o genoma de uma bactéria conhecida: "Não criamos a vida do nada, usamos uma célula preexistente para receber um genoma sintético".

Modéstia de cientista, a insignificância representa um formidável avanço tanto na genética como na filosofia. Na quinta e sexta-feira, durante algumas horas, os mais dogmáticos – ou menos céticos – ficaram com a im­­pressão de que o ser humano, fruto da evolução das espécies, pretendia equiparar-se a Deus. En­­tre perplexo e preocupado, o Vaticano chegou a manifestar-se a respeito.

Felizmente nada mudou: apesar da re-engenharia celular, a humanidade continua incapaz de reprogramar-se ou corrigir-se. Sequer encontrou uma fórmula destinada a melhorar a convivência entre os semelhantes.

A prova está contida no episódio ocorrido dias antes quando o circo da informação foi tu­­multuado pela entrada em cena de um tapete voador (persa, naturalmente), pilotado pelo presidente Lula e o premiê turco Recep Erdogan con­­tendo a proposta de um acordo para evitar que o Irã embarque numa aventura nuclear. A ciranda armada em torno da ousada iniciativa de dois países emergentes mostra quão distante está o mundo real da racionalidade laboratorial que levou à criação da célula sintética.

O Brasil não está no Oriente Médio nem na Ásia Central, mas tem o direito de preocupar-se com a ameaça de um bomba atômica iraniana. Por isso não se ocupa com os artefatos nucleares indianos, norte-coreanos ou mesmo paquistaneses. Não é uma questão de letalidade balística, mas política: o regime de Teerã, além de totalitário, é agressivo. Em 1994, explodiu um edifício no centro de Buenos Aires matando 85 pessoas e ferindo mais de 200 porque eram judeus. É fácil imaginar o que pretenderá fazer nas vizinhanças quando estiver apto a despachar mísseis nucleares.

E o que temos a ver com isso? Em janeiro de 1942, há 68 anos, quando o Brasil rompeu relações com os países do Eixo não estávamos diretamente ameaçados e, no entanto, atravessamos o Atlântico e fomos à Europa para lutar contra o nazi-fascismo, aliás, os únicos latino-americanos a fazê-lo. A presença brasileira nos grandes fóruns internacionais começa justamente em 1947, em seguida à nossa participação na 2.ª Guerra Mundial, quando o ex-chanceler brasileiro Oswaldo Aranha foi escolhido para presidir a ONU.

O acesso ao cenário (ou ribalta) internacional é livre, franqueado apenas aos que têm competência para frequentá-lo. O que não é o caso do caudilho Hugo Chávez, que sonha com um protagonismo internacional, mas não consegue livrar-se da megalomania e da demagogia.

O Brasil preparou uma partitura bastante sofisticada para exibir em Teerã, incluindo um parceiro europeu moderamente islâmico, a Turquia, mas tropeçou na execução: diplomacia requer discrição, Cantinflas e Sancho Pança jamais seriam embaixadores.

Proclamar aos quatro ventos, dias antes da assinatura, que o acordo nuclear tinha 99% de chances de ser aprovado foi um erro brutal. Pior foi ignorar que os aiatolás preparavam-se para anunciar depois do acordo que o seu país continuaria enriquecendo urânio além da quantidade a ser entregue à Turquia. Enquanto isso, em silêncio, madame Clinton acertou com os 5 Grandes uma nova rodada de sanções contra o regime de Ahmadinejad. Era o que se esperava.

A façanha de Craig Venter era igualmente esperada desde que ele próprio liderou o se­­quen­­ciamento de genomas. O progresso científico é previsível, quase linear. Os mistérios da vida não foram esclarecidos – talvez nunca o sejam – apenas replicados. É o suficiente.

Os negócios humanos também podem ser sequenciados, reproduzidos e reprogramados. Só não podem ser tocados em palanques.

Alberto Dines é jornalista

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