Em uma de suas memoráveis atuações, Leonard Nimoy, no mítico papel do Sr. Spock, proferiu uma das suas mais célebres frases: “As necessidades de muitos sobrepõem-se às necessidades de poucos, ou do indivíduo”, no longa Jornada nas Estrelas: A Ira de Khan, de 1982. Sr. Spock vinha de um povo evoluído, dotado de lógica; não era dado a arroubos, falácias, fanfarronices e demais rudimentos de retórica.
Isto posto, com perplexidade, acompanhamos a declaração do presidente Jair Bolsonaro afirmando que ninguém é obrigado a tomar a vacina contra a Covid-19. Mais estupefatos ficamos, pois poderia ser uma resposta repentina, mas a declaração findou por ser referendada pela Secretaria de Comunicação do Governo.
Sabemos que, de acordo com o artigo 5.º, inciso II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Importante, porém, destacar que no texto constitucional estão presentes princípios basilares, garantias e direitos fundamentais que norteiam a República e que não podem comprometer, no caso específico, a segurança da sociedade e sua ordem interna.
Viver em sociedade só é possível porque estamos sujeitos a leis que protegem os interesses da nação, do coletivo, e não interesses individuais. Partindo dessa premissa, nem sequer há conflito aparente de normas que suscite maior discussão quanto à necessidade de vacinação da população contra uma doença que já ceifou a vida de mais de 120 mil brasileiros na presente data.
E mais: atendendo ao princípio da legalidade, temos a Lei 13.979/20, sancionada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, com implicações legais da recusa a se vacinar contra a doença. Se de fato houver rejeição, o Estado não necessitará usar o poder físico de coação que lhe confere o poder de polícia, do qual não pode abrir mão, mas poderá aplicar os procedimentos processuais e penais previstos na legislação, mesmo a aplicação de pena pecuniária, o que se demonstrará bem mais persuasivo.
Tratamos, aqui, de um interesse individual que deve submeter-se ao interesse coletivo e de proteção da saúde do próximo. Na velha lição da escola primária: o seu direito termina quando começa o do coleguinha. Assim nos ensinaram nossas valorosas professoras e professores.
Por fim, vimos que o tema não comporta uma discussão mais séria. Como diria o lendário Sr. Spock, “vida longa e próspera” – e ninguém vive em uma bolha.
Cássio Faeddo é mestre em Direitos Fundamentais, MBA em Relações Internacionais e professor de Direito.
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