O Brasil realizou a primeira e única edição do seu inventário florestal nacional na década de 1980, ou seja, é o mesmo que administrar uma empresa sem uma contabilidade atualizada
O senador Jorge Viana (PT/AC), relator do Projeto da Lei Florestal na Comissão Interna de Meio Ambiente do Senado, apresentou substitutivo ao projeto de lei recentemente aprovado na Câmara dos Deputados. O relatório apresenta uma série de inovações, principalmente no que tange ao tratamento diferenciado a agricultura familiar e as Áreas de Preservação Permanente (APP) em áreas urbanas.
Dois itens chamam a atenção: o primeiro é que, apesar de todos os clamores da comunidade acadêmica, dos grandes avanços tecnológicos nas ciências do solo e da engenharia florestal, a lei continua estabelecendo a largura das matas ciliares considerando apenas a largura do curso da água. Não considera a topografia da região do entorno, agricultura, floresta natural, reflorestamento ou moradia e muito menos a qualidade do recurso hídrico a ser protegido.
Ao inserir esses fatores na lei é possível dar uma correta e efetiva proteção ao recurso natural, aumentando a obrigatoriedade da manutenção em locais mais frágeis e flexibilizando em locais com topografia e condições de solo favoráveis ao desenvolvimento de atividades produtivas.
Outra questão que salta aos olhos é o fato de a alteração da lei florestal estar precedendo ao inventario florestal brasileiro ferramenta que utiliza imagens de satélite, trabalhos de campo, dados sociais e econômicos para retratar a cobertura florestal do país.
De acordo com dados do Serviço Florestal, 47% do território brasileiro aproximadamente 4,8 milhões de quilômetros quadrados são cobertos por florestas. Uma área florestal continental, com invejável patrimônio natural e um potencial econômico gigantesco.
Apesar disso, o Brasil realizou a primeira e única edição do seu inventário florestal nacional na década de 1980, ou seja, é o mesmo que administrar uma empresa sem uma contabilidade atualizada. De lá para cá, estados e países vêm desenvolvendo seus inventários florestais com maior frequência. A Alemanha produziu um inventario em 2002 e o próximo sai em 2012; a Finlândia está concluindo seu décimo inventário e Estados Unidos e Canadá atualizam anualmente os seus dados florestais. Esse documento é utilizado como base para liberação de novas áreas de plantios agrícola ou florestal, expansão urbana, implantação de empreendimentos industriais, considerando histórico e potencial econômico da área e os riscos associados a mudança de uso do solo, como desastres naturais e alterações microclimáticas.
Ou seja, os dados do inventário florestal são fundamentais para a construção e renovação das políticas florestais nacionais. Porém, como dar um bom tratamento às florestas brasileiras sem um correto diagnóstico? Como construir uma política florestal ou reformar as normas existentes sem um profundo conhecimento da realidade?
Um último ponto que chama a atenção é a questão das áreas protegidas no país. Área protegida é um gênero que envolve diversas áreas ambientalmente importantes tais como as Áreas de Preservação Permanente (APPs) em domínio público e privado as áreas de Reserva legal nas propriedades rurais e as Unidades de Conservação (UCs).
Tem se discutido muito nos últimos meses sobre a obrigatoriedade da manutenção das florestas nas propriedades privadas e as penas impostas àqueles que não conservarem ou suprimirem áreas verdes. Contudo, grande parte dos remanescentes florestais nacionais está nas mãos do poder público, em UCs e outras áreas públicas. O estado de Roraima, por exemplo, possui mais de 50% das suas áreas já demarcadas.
O triste quadro atual retrata um grande número de áreas protegidas que só existem no papel frequentemente violentadas pelo desmatamento ilegal e pela exploração mineral clandestina, gerenciadas por um número de fiscais ambientais abnegados, na maioria das vezes sem condições estruturais e apoio político para desenvolver seu árduo trabalho.
Essa realidade nacional ainda prospera nos quatro cantos do Brasil.
Ou seja, a norma jurídica nada mais é do que um instrumento da política, que não tem um fim em si mesma, a não ser para construção de uma sociedade mais justa, harmônica, com maior desenvolvimento social, ambiental, econômico e social.
Paulo de Tarso Lara Pires, engenheiro florestal e advogado, é mestre em Economia e Política Florestal e doutor em Ciências Florestais. Atualmente está desenvolvendo pós-doutorado em Direito Ambiental e Desastres Naturais na Universidade de Berkeley (Califórnia, EUA).