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Violência escolar não é problema pedagógico, mas de segurança pública

Sílvia Palmieri, mãe da professora Patrícia, que não foi ferida, deixa a Escola Estadual Thomázia Montoro, em Vila Sônia, após aluno atacar colegas e professoras à faca. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil )

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Na última segunda-feira (27) do mês de março, na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona sul da capital paulista, um jovem de 13 anos, aluno do oitavo ano da instituição, atacou a facadas docentes e alguns colegas. Uma das vítimas, a professora Elisabete Terneiro, de 71 anos, logo após ser esfaqueada nas costas pelo adolescente, teve uma parada cardiorrespiratória e morreu no Hospital Universitário da USP. Outras pessoas que o jovem tentou atacar conseguiram escapar, algumas com ferimentos leves e outras sem ferimentos.

Infelizmente, quem conhece e já vivenciou o cotidiano das escolas públicas brasileiras sabe que casos de violência de todos os tipos são rotineiros. Existem inúmeros fatores que explicam o quadro generalizado de anomia que marca o cotidiano escolar no Brasil. No entanto, quando eventos trágicos como o ocorrido no último dia 27 tomam o noticiário, raramente os principais fatores que conduziram o sistema educacional público de ensino básico do país a tal situação calamitosa são debatidos de forma franca, aberta e sem tabus pelas pessoas letradas, pelos acadêmicos da área e pelos formadores de opinião.

Só é possível ensinar qualquer coisa para quem quer aprender e respeita as regras do ambiente de aprendizagem.

Quase sempre, no debate público que se sucede a acontecimentos trágicos como o da semana passada, são encontradas explicações para a violência nas escolas que vão desde a culpabilização da “sociedade” e dos “governos” até o bullying e a influência que a internet tem na socialização dos jovens atualmente. Para além dessas variações de superfície nas explicações, existe um denominador comum: a causa de tais eventos é sempre algo “externo” ao menor de idade que pratica a violência; pode ser a “estrutura social”, a “desigualdade”, a “pobreza”, os “baixos investimentos” em educação, a ausência de psicólogos nas escolas, a cultura de “masculinidade tóxica” que aflige os meninos, entre outras coisas.

Em hipótese alguma, você verá um educador, um formador de opinião pública ou intelectual dizer o óbvio: os indivíduos, quando já adentraram a adolescência, na maioria das circunstâncias, são os principais responsáveis por seus próprios atos e têm perfeito entendimento do que estão fazendo. Uma das principais causas, tanto da violência nas nossas escolas públicas quanto dos baixíssimos níveis médios de aprendizagem dos estudantes, está em um fato bastante trivial e conhecido por todos: a maioria dos jovens que está matriculada nas nossas instituições de ensino não tem o menor interesse em estudar.

A “inclusão”, dogma máximo dos educadores, acaba se tornando uma forma pomposa e politicamente correta de eliminar os direitos de aprendizagem dos bons alunos.

Entre essa maioria, uma parcela, que varia de acordo com a peculiaridade de cada unidade escolar, é violenta e, mesmo sendo violenta – provocando brigas, agredindo física ou verbalmente seus colegas e professores, ameaçando todos aqueles que tentam corrigir o seu comportamento, depredando o patrimônio público e, não raro, trazendo a criminalidade para dentro da escola –, não perde, em hipótese alguma, o seu direito de frequentar a escola. Essa parcela violenta dos alunos, muitas vezes, acaba arruinando qualquer possibilidade para que os discentes que querem estudar tenham um ambiente de aprendizagem minimamente ordenado e saudável.

Ou seja: a “inclusão”, dogma máximo dos educadores brasileiros, na prática, acaba, recorrentemente, se tornando uma forma pomposa e politicamente correta de eliminar os direitos de aprendizagem dos bons alunos, pois eles, por força de lei, são obrigados a aceitar a presença da delinquência juvenil dentro da sala de aula. No Brasil, muitos estão preocupados com os direitos de menores de idade violentos e desajustados, mas poucos parecem perceber que a única maneira de preservar os direitos dos bons estudantes (muitos, inclusive, de origem humilde, e que têm na escola a sua única chance de mobilidade social) que querem aprender é retirando da sala de aula aqueles jovens que, reiteradamente, incorrem em comportamentos que não podem ser minimamente aceitos dentro de uma instituição escolar.

A maioria dos jovens que está matriculada nas nossas instituições de ensino não tem o menor interesse em estudar.

Aconteça o que acontecer, o menor de idade, no Brasil, jamais perde o direito de estar dentro de uma instituição de ensino pública para ser violento com os outros. Quem conhece a rotina das nossas escolas públicas sabe que, por exemplo, uma das maiores dificuldades que um diretor de unidade de ensino enfrenta é a de conseguir transferir para outra instituição um aluno que, após episódios seguidos de violência, insolência sistemática e desacato aos professores, continua tendo o direito de ali permanecer e só pode ser “expulso” caso seja encontrada outra vaga em uma escola próxima onde, quase sempre, ele irá reincidir no mesmo tipo de comportamento. Os diretores, muitas vezes, acabam fazendo “acordos” entre si, nos quais vigora mais ou menos o seguinte: “um aluno ‘problemático’ da minha instituição vai para a sua escola e um aluno ‘problemático’ da sua escola vem para a minha, e assim fazemos uma troca”.

No Brasil, o acesso à educação escolar é um “abacaxi” jurídico que se chama “direito público subjetivo”, que consiste em um direito que é universal, obrigatório e, o mais importante, compulsório. Estamos diante de um direito que, ao mesmo tempo em que é um direito, é uma obrigação de seu beneficiário. O Estado tem a incumbência não apenas de oferecer escolarização no nível básico (nove anos do ensino fundamental e três anos do ensino médio) a todos, como também é obrigado, tal como postulado no artigo 208 da Constituição Federal (CF) de 1988, no artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990) e no artigo 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), a zelar pela frequência da população em idade escolar às instituições de ensino.

Ainda que esses marcos legais sejam frutos das melhores intenções, na prática, eles significam o seguinte: todo menor de idade que agredir colegas e professores, ameaçá-los, assediá-los moralmente, desacatá-los, usar drogas dentro da escola, cometer furtos, depredações e outros atos que não poderiam, num país saudável, ser tolerados em um ambiente escolar, manterá o seu direito de estar na instituição de ensino. Este arcabouço legal, repleto de utopias de “igualdade” e “justiça social” através do acesso universal à educação, na realidade, acabou retirando qualquer possibilidade legal para que as autoridades pudessem ter mecanismos efetivos de coerção que impedissem a presença de jovens delinquentes dentro das nossas escolas públicas.

O ECA, por exemplo, não menciona em seu texto, em nenhum momento, a questão da violência dentro das escolas e dos impactos devastadores que a manutenção do direito à educação dos jovens violentos tem sobre os bons alunos das camadas populares (entendo como “bons alunos” não apenas aqueles que têm desempenho acadêmico adequado e que respeitam os docentes, mas também os estudantes pacatos e de bom comportamento que têm dificuldades de aprendizagem e que merecem ter um atendimento diferenciado para que possam progredir, dentre os quais, em muitos casos, se incluem os portadores de necessidades especiais).

Quem é violento, agressivo, excessivamente insolente e desrespeita de forma acintosa professores e colegas não pode nem deve estar no ambiente escolar.

Por isso, é importante que aqueles que estão preocupados com a educação no país pressionem os parlamentares para modificações em certos artigos do ECA, da CF e da LDB; esta é a única possibilidade política de viabilizar a retirada dos adolescentes violentos das nossas escolas. É preciso tocar neste tabu. Enquanto ele não for quebrado, as nossas escolas públicas continuarão sendo territórios marcados pela delinquência e pela anomia generalizada.

O psiquiatra e crítico cultural inglês Theodore Dalrymple, em seu livro Podres de Mimados, as consequências do sentimentalismo tóxico afirmou, de maneira categórica, queO sentimentalismo é o avô, o progenitor e a parteira da brutalidade”. Para o intelectual britânico, o “sentimentalismo” é uma espécie de culto da fragilidade, uma degeneração tardia da mentalidade romântica de entronização dos sentimentos que, na contemporaneidade, se materializou em políticas públicas paternalistas e na idealização de grupos sociais que são vistos, pela intelligenstia e pela opinião pública ocidental, como “vítimas” sociais a serem socorridas pelo Estado.

Precisamos de mecanismos mais duros de punição a menores de idade violentos com urgência.

Esta mentalidade sentimentalista – e aqui falo como alguém com experiência trabalhando na educação básica e no ensino superior – é dominante nos documentos oficiais que regem a educação brasileira, nos currículos das nossas licenciaturas, nos cursos de formação docente continuada das nossas redes estaduais e municipais, na produção acadêmica sobre o tema da educação e no discurso midiático sobre o ensino. Portanto, ela é o caldo cultural básico de formação dos professores.

Quantas vezes não ouvi colegas de profissão, depois de serem agredidos, ofendidos, humilhados, ou acossados por um aluno violento, dizerem que o discente que assim se comporta é “fruto de circunstâncias sociais adversas”, que precisa ser “acolhido para poder domar as suas emoções”, ou, como declarou, à imprensa uma das professoras que sobreviveu ao ataque perpetrado na Escola Estadual Thomazia Montoro, que o adolescente que matou, no último dia 27, uma colega sua de trabalho, “é só uma criança, ele é uma vítima do sistema”.

Não precisamos de melindres sentimentalistas que só jogarão mais ainda a educação brasileira no buraco.

Essas concepções, profundamente entranhadas na visão de mundo de muitos daqueles que trabalham nas escolas, são sintomáticas do tipo de cultura política sentimentalista, paternalista e anti-punitiva que tomou conta da mentalidade educacional brasileira. O raciocínio de que “a sociedade é violenta, a escola reflete a sociedade, e, portanto, temos que mudar a sociedade” foi repetido de forma reiterada nos últimos dias por pessoas letradas em geral e, especialmente, por professores.

Dalrymple nos ajuda a compreender algo muito importante para analisarmos a maneira como os educadores veem a questão dos alunos violentos: existe uma relação direta entre o predomínio de valores “femininos” como a “inclusão”, a “diversidade” e o “perdão” (em detrimento dos valores “masculinos” como a “autoridade”, a “ordem” e a “hierarquia”) na organização do sistema público de ensino, nos documentos que regem a educação brasileira e nas legislações que incidem sobre os adolescentes, e a situação de extrema violência que grassa nas nossas escolas. Foi esse discurso manso, acolhedor e quase “angelical” de grande parte dos nossos educadores (que, inclusive, embasa o ECA) que levou a escola pública brasileira para o abismo e que transformou nossos estabelecimentos de ensino em territórios de delinquência e anomia generalizada.

Precisamos aceitar que a questão da violência escolar no Brasil é, antes de mais nada, um problema de segurança pública.

Essa cultura política dominante entre os docentes brasileiros, que fornece justificativas tacanhas e pseudo-intelectuais para a impunidade, tem uma responsabilidade decisiva no quadro lastimável de violência que temos visto nas nossas escolas. A hesitação em enfrentar a delinquência juvenil de forma severa para, ao menos, melhorar um pouco o ambiente escolar é, em parte, fruto do espalhamento dessa mentalidade por muitos poros da vida social. Ela não caiu do céu. E os estragos que ela tem feito estão cobrando o seu preço.

Além de enfrentarmos essa mentalidade, temos de entender, com clareza, que o papel da escola não é o de “redimir” o país, nem o de fazer “justiça social” (ainda que os efeitos de uma escola de qualidade tenham, no médio e longo prazo, impactos positivos sobre a mobilidade social das classes populares), mas sim o de cuidar da formação intelectual das novas gerações. A escola é importante, mas ela não é e nem pode ser a solução para tudo. Se escola fosse solução para tudo, Cuba, que tem a totalidade de sua população de crianças e adolescentes indo à escola e um povo bastante culto, seria o paraíso na Terra. Precisamos aceitar que a questão da violência escolar no Brasil é, antes de mais nada, um problema de segurança pública que só pode ser resolvido com modificações estruturais na legislação que recai sobre os menores de idade que cometem atos violentos.

E não podemos, jamais, esquecer de uma verdade básica, essencial para o bom andamento do processo educativo: só é possível ensinar qualquer coisa para quem quer aprender e respeita as regras do ambiente de aprendizagem. Quem é violento, agressivo, excessivamente insolente e desrespeita de forma acintosa professores e colegas não pode nem deve estar no ambiente escolar e não deveria ter o direito de, com o seu comportamento, obstruir o direito de aprendizagem dos alunos que querem aprender e que respeitam as regras das instituições de ensino.

Por isso, aqueles que estão preocupados com a violência nas escolas devem fazer pressão política para reivindicar modificações estruturais no aparato legal que rege a educação no Brasil. Os sindicatos docentes, que são dominados por partidos de esquerda e parecem pouco se importar com o problema, jamais colocarão essa questão. Precisamos de mecanismos mais duros de punição a menores de idade violentos com urgência. Não precisamos de melindres sentimentalistas que só jogarão mais ainda a educação brasileira no buraco.

Fernando José Coscioni é doutor em Geografia Humana pela USP. É autor do livro "Evolução, Raça e Ambiente: Darwinismo Social e formação da Geografia americana em Ellsworth Huntington e Ellen Semple".

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