Não estamos tratando de uma situação de momento com a votação assoberbada de um novo Código Florestal. A luta entre a espoliação da natureza e o seu uso racional é secular e continuará existindo
Grande parte das pressões exercidas no Congresso Nacional visando a demolir o Código Florestal Brasileiro tem a marca dos paranaenses. Não só dos ruralistas de carteirinha que demagogicamente se autodefinem como conservadores da natureza. Também fazem parte desse processo os eleitores que, conscientemente ou não, votaram no pessoal da "agricultura", com propaganda bonita e bem ensaiada.
Nós paranaenses temos de assumir e reverter nossa responsabilidade histórica de trabalhar intensamente em favor de interesses setoriais em troca de uma agenda do bem comum. A responsabilidade de trilhar um caminho já conhecido do uso exacerbado do patrimônio natural em troca de resultados de curto prazo e o comprometimento do futuro, já fortemente sentido do presente. Da geração de prejuízos incalculáveis em recomposição de áreas degradadas causados pelo mau manejo do nosso território, rural e urbano, bilhões deixaram e deixarão de ser investidos em educação, saúde e geração de empregos para atender as mazelas causadas pelos que detêm a soberba de fazer do uso da terra uma atividade de ganho temporário e que não trilha a busca pela sustentabilidade.
Tão envolvidos nesse ciclo de degradação e arremedo, somos reconhecidos mundialmente pelo sucesso na "luta" contra a erosão e a degradação do solo. Luta que se justifica pela prévia inacreditável destruição que realizamos. Ao que tudo indica, procedimento ainda em alta no Paraná, conforme dita a bancada ruralista paranaense, a Federação da Agricultura, a Federação da índústria e o próprio governo estadual, atarantados em colocar uma flexibilização nas regras do jogo do uso da terra e o perdão aos que destruíram ilegalmente. Isso faz algum sentido para qualquer cidadão que analise, mesmo que superficialmente, essa situação? Até os incautos eleitores que colocaram tantos ruralistas no Congresso devem estar se perguntando se fizeram um bom negócio.
Não estamos tratando de uma situação de momento com a votação assoberbada de um novo Código Florestal. A luta entre a espoliação da natureza e o seu uso racional é secular e continuará existindo. Nem de perto se fecha o processo a partir de um retrocesso que apenas explica a mediocridade e a fraqueza da atual classe política e da liberdade de setores da economia em manobrar os poderes constituídos na direção de seus próprios interesses. É preciso enfatizar a imoralidade do julgamento em causa própria a que estamos assistindo e o mal que isso traz à democracia. Estamos diante de um modelo pernicioso.
A atividade agropecuária é relevante demais para o país para ser confundida com liberalismo e expropriação de um patrimônio de todos os brasileiros, indistintamente. A natureza deste país permite atividades diversificadas e geradoras de enormes riquezas. Nossa condição econômica mais equilibrada impõe a busca de melhores tecnologias para o incremento em nossos processos produtivos, e a capacitação técnica de profissionais do campo é o caminho a ser seguido para fortalecer as atividades rurais. Isso nada tem a ver com degradação, alterações inconsequentes da lei, perdão a quem passou dos limites e explorou além de suas possibilidades. Misturar essas duas propostas antagônicas é um equívoco criminoso, mas que acabou sendo a alternativa escolhida pelos que defendem as mudanças do Código Florestal.
Um estado que busca ser reconhecido na comunidade internacional como exemplo em sua vanguarda na Agenda 21, no combate às mudanças climáticas e na Conservação da Biodiversidade não pode permanecer na linha já traçada do atraso e do desenvolvimento enganoso, que se apropria e destrói o bem comum como premissa para seguir em frente. Um estado que quer ser exemplo precisa ser mais forte do que a politicagem tradicional, que emperra e idiotiza organizações de classe e perturba negativamente o gerenciamento do próprio governo.
O Paraná é, mas não mereceria ser, instrumento determinante de um ato que representa uma das maiores vergonhas nacionais da atualidade. Nossos governantes são coniventes com essa situação. Nossa população é enganada e paga caro pelos prejuízos coletivos da histórica arrogância contra a natureza. Não há alternativa que não seja continuar a luta para a construção de uma agenda mais digna e mais inteligente para a sociedade. Seguimos cada vez mais fortalecidos pelas demonstrações explícitas de irresponsabilidade e inconsequência dos que manipulam as discussões do Código Florestal, e se permitem a tudo para impor suas posições por sorte, uma situação apenas temporária.
Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
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