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Vistos de entrada e o princípio da reciprocidade

 | Carlos Severo/Fotos Públicas
(Foto: Carlos Severo/Fotos Públicas)

O Brasil devia parar de exigir visto de americanos, australianos, canadenses e japoneses, mesmo que não tenha reciprocidade? O anúncio deve ser feito durante a visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, iniciada neste domingo e que termina na terça-feira. Para podermos responder tecnicamente a essa questão, torna-se necessário trabalhar com alguns preceitos e explicações, a priori.

O reconhecimento de Estado e de governo, no direito internacional, obedece a critérios subjetivos da conveniência e oportunidade, e a critérios objetivos – no caso de governo, que ele seja oriundo da vontade popular, claramente manifestada (leia-se voto universal e secreto), e que respeite as leis internacionais.

O sujeito por excelência no direito internacional é o Estado soberano. Em uma visão antropomórfica, o Estado passa a ter direitos. Para tal, deve ser soberano. Soberania vem a ser, em um conceito clássico, suprema potestas superiorem non recognoscens, “poder supremo que não reconhece outro acima de si”. Hoje, o conceito, em si, causa alguns problemas, razão pela qual se trabalha com os atributos da soberania.

O fim do visto é uma política comparável a verdadeiras concessões de salvo-condutos

Assim, dentre os atributos da soberania aplicadas ao Estado, no aspecto interno, temos: o direito de organização política, o direito de legislação, o direito de jurisdição e o direito de domínio. Em seu aspecto externo, temos: o direito de legação ou representação política, o direito de celebrar tratados e/ou convenções, o direito de fazer a guerra (com restrições) e celebrar a paz, o direito de igualdade e o direito de respeito mútuo.

Dentro do contexto (clássico) acima, dos direitos dos Estados, há o direito de defesa e conservação, que compreende o direito de impedir o ingresso de indesejáveis (controle de passaporte e vistos), o direito de retirar estrangeiros nocivos à ordem e/ou segurança pública (deportação, expulsão e extradição) e o direito de celebrar alianças defensivas.

A concessão de vistos está ligada ao direito dos Estados. Mesmo com a substituição, no Brasil, da Lei do Estrangeiro (Lei 6.815/80) pela Lei do Migrante (Lei 13.445/17), os vistos ainda podem ser entendidos como visto consular, visto de entrada e visto de desembarque. O visto consular atesta que os documentos estão bons para a pessoa ingressar no país representado pelo consulado, da maneira que pleiteia. Não gera direitos, mas uma mera expectativa, já que quem vai decidir ou não pela entrada é a autoridade aduaneira competente. Invertendo a ordem, o visto de desembarque é a razão pela qual a pessoa está entrando no país, que pode ser variado, como turismo, trânsito, estudos, pesquisa etc.

A questão é o visto de entrada, que consiste em um exame acurado da pessoa, de seus bens e seus antecedentes. É um visto desagradável, já que sujeita o indivíduo a alguns constrangimentos, além de ser aleatório, ao alvedrio da autoridade aduaneira.

Como os Estados são nominalmente iguais entre si, o tratamento a seus cidadãos obedece o critério de reciprocidade. Há alguns anos, o Brasil teve alguns problemas com as brasileiras que iam para a Espanha, e adotou, para os espanhóis, as mesmas restrições. Após o 11 de setembro de 2001, com os atentados e destruição das Torres Gêmeas, em Nova York, os Estados Unidos passaram a exigir vistos de entrada como regra geral, isentando seus aliados da Otan e da Anzus (ambas alianças defensivas) e os cidadãos de mais alguns países. As demais nações passaram a impor aos americanos as mesmas medidas que, lentamente, foram aumentando o leque, de acordo com o princípio da reciprocidade.

A superação de modelos engessados como a reciprocidade – embora ela seja perfeitamente defensável, no papel de uma pretensa garantia a seus nacionais quando estes viajam para aqueles países que adotam o visto de entrada – é bem-vinda. Ela representa uma superação dos estreitos limites da vendetta, configurando uma política que está acima disso e que pode (ou não) ser seguida pela contraparte, de modo espontâneo, em condições análogas – embora em realidades diferentes – a verdadeiras concessões de salvo-condutos, com a vantagem, maior, de ser em época de paz.

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