Em datas próximas, Bento XVI promoveu neste setembro de 2006 a criação do Instituto Bom Pastor, com sede em Bordeaux, França, e a excomunhão de Emmanuel Melingo, arcebispo emérito de Lusaka. Decisões que ajudam a entender o novo Papa. A da criação do Instituto de direito pontífício coloca num beco quase sem saída a Fraternidade S. Pio X, criada na Suíça pelo arcebispo Marcel Lefèbvre, retirando-lhe argumentos para sustentar reivindicações do uso da liturgia tridentina (Pio V) e de pedir a discussão do Concílio Vaticano II.
Já a exclusão do arcebispo, que havia se reintegrado à Igreja, da qual fora afastado por João Paulo II por decisões como casamento civil, é a reafirmação da autoridade muitas vezes agastada.
Melingo ficou conhecido também como curandeiro, pregoeiro de curas divinas, ação pela qual já havia sido advertido, por causar confusões no seio da Igreja. Chegou, nos tempos de João Paulo, numa de suas voltas à Igreja, até ganhar missão num ofício vaticano dedicado ao turismo. Agora não seria mais possível o Papa acatar sua desenvoltura pessoal em franco desacordo com a disciplina da Igreja (como ordenação dita episcopal de cinco ex-padres, sem autorização papal), sob pena de, assim, pactuar com um comportamento que poderia ter seguidores até no episcopado.
A criação do Instituto Bom Pastor (Institut Le Bon Pasteur) encerra novidades no capítulo da aceitação da chamada Tradição na Igreja depois do Vaticano II. Mas não totalmente, pois já em 1988, com o moto Ecclesia Dei Aflicta, a Santa Sé aglutinara os anseios pela liturgia pré-conciliar na Fraternidade São Pedro, legatária de diversos ex-membros da Fraternidade S. Pio X. E mesmo no início desta década, dom Dario Castrillon já havia, por delegação do Papa, aceitado o retorno à Igreja de parte dos padres e seminaristas tradicionalistas de Campos, RJ, dando feições canônicas à Administração Apostólica São João Maria Vianney, que ganhou bispo e o direito de agir sob a liturgia tridentina, desde que reconhecendo o Vaticano II e não excluindo a dita missa de Paulo VI.
O que diferencia o Bom Pastor de instituições tradicionalistas reconhecidas pelo Vaticano inclusive um instituto com sede em Berlim é bastante: tendo como superior um padre egresso da comunidade de S. Pio X, e que foi seu superior na França por 12 anos, o instituto ganha a obrigação de celebrar todos os atos litúrgicos de acordo com o que prescreviam os livros canônicos romanos editados em 1962. E também o direito de se fazer o exame crítico do Concílio Vaticano II (não esquecer que o Concílio Vaticano II não teve caráter dogmático, não definiu doutrina, dogmas). Isto está dito clara e objetivamente no decreto de criação do Bom Pastor.
Quer dizer: mesmo que queiram, seus membros não poderão celebrar, por exemplo, no novo ordo, aquele chamado de "liturgia de Paulo VI". E a instituição, diretamente ligada ao Papa, poderá estabelecer-se em quaisquer dioceses, mediante acerto com os bispos locais. Também o superior poderá erigir paróquias pessoais para ação dos padres tradicionalistas.
Com certeza, os sacerdotes ligados a Lefèbvre argumentarão diante desse "golpe" que poderá até significar o esvaziamento do movimento cismático de Êcone, que os verdadeiros tradicionalistas como eles se reconhecem querem que os direitos concedidos ao Instituto Bom Pastor sejam estendido a toda Igreja universal.
Para novembro deste 2006, esperam-se novas decisões vaticanas na área da Tradição, embora a criação do Bom Pastor, em si, tenha apanhado quase todos de surpresa e tenha ido além do esperado por grupos tradicionalistas. É claro que a Igreja não pensa e não pode contemplar tradicionalistas como aqueles de Santa Gertrudes, Estados Unidos, declaradamente sedevacantistas (a sede vaticana estaria vacante).
Mas houve avanços com Bento XVI no trato do tema sobre o qual são muito sensíveis católicos do mundo inteiro.
Por fim, registre-se que o presbitério de Bordeaux, sede do Instituto, reuniu-se e distribuiu nota estranhando a criação do Bom Pastor e sua localização naquela diocese, sem que os presbíteros locais tenham sido ouvidos.
Mas os tradicionalistas já assumiram a paróquia de Santo Elói, primeiro front da instituição, obrigada a celebrar no ritual de Pio V.
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