Há 2.500 anos um famoso general chinês escrevia um tratado que inspiraria exércitos e pessoas comuns a vencerem suas batalhas, militares ou pessoais. Essa obra foi chamada de A Arte da Guerra e aqui estamos, em pleno século XXI, vivendo e vendo uma guerra, que o leitor certamente concordará que de “arte” não tem nada. Mas a palavra “arte” pode ter muitos sentidos e não sabemos exatamente o que o autor quis transmitir com ela. Podemos apenas dialogar com seus escritos para encontrar pistas do que seria a guerra na visão de Sun Tzu.
De qualquer forma, artes podem ser bonitas ou feias; podem ter sentido, ou podem não ter sentido algum. Tudo depende dos olhos de quem vê, ou melhor, tudo depende do que os olhos querem ver. Como o próprio Sun Tzu diz nas suas primeiras linhas, “a estratégia de guerra é baseada na dissimulação”. Quem não concordaria com essas sábias palavras neste momento em que presenciamos esse conflito sangrento entre Rússia e Ucrânia? Claro, talvez seja melhor nem perguntar para a Rússia. Os russos envolvidos nesse conflito provam que na história da guerra há uma verdade irrefutável e insuperável: se você tem o poder para fazer, você vai e faz. Você não precisa de um motivo. O poder cria um motivo.
Mas há algum motivo válido para se fazer guerra e matar? Por exemplo, o que você acharia de um pai que matou milhares de pessoas para vingar o assassinato brutal do seu filho? Foi isso que aconteceu em 1509, numa cidade da Índia. Francisco de Almeida não era apenas um pai, era um vice-rei da nação com a marinha mais poderosa do mundo, Portugal. Seu filho, Lourenço de Almeida, foi morto, explodido em pedaços em uma batalha na cidade indiana de Chaul, em 1508. Se as crônicas estiverem certas, seus restos mortais nunca foram encontrados.
Francisco de Almeida juntou apenas 17 dos seus melhores galeões de guerra e partiu rumo a cidade de Diu, onde sabia que estava a frota e os marinheiros que haviam matado seu filho. Mas antes de chegar, ele resolveu apresentar o único motivo de sua ira ao governador de Diu. Ele escreveu uma carta num tom estranhamente respeitoso, mas inequívoco. “Vou queimar sua cidade e matar todos os envolvidos na morte de um homem conhecido como meu filho”, escreveu ele. E concluiu sua justificativa de maneira grave: “Você comeu o frango, agora terá que comer o galo”. Em resposta, o governador de Diu reuniu a maior frota já vista no Oceano Índico para lidar com a ameaça: mais de 200 galés. Mas o poder marítimo português era insuportável e todos os navios muçulmanos foram afundados e quase duas mil pessoas foram mortas. Francisco de Almeida conseguiu sua vingança.
Na história da guerra há uma verdade irrefutável e insuperável: se você tem o poder para fazer, você vai e faz. Você não precisa de um motivo. O poder cria um motivo.
Mas ele conseguiu muito mais do que isso pois conquistou também o controle global do comércio asiático apenas para seu país. Ter as especiarias asiáticas nas mãos era ter o mundo nas mãos. Francisco de Almeida vingou seu filho, entrou para a história e mudou a história. Portugal abriu caminho para a Holanda, que abriu caminho para a Inglaterra, que por sua vez abriu caminho para os EUA.
Nesse vórtice infinito da história da guerra, a Rússia tenta abrir seu caminho para o topo do mundo e sangue faz parte desse trajeto. Mas há um motivo? Claro, os líderes russos têm quase 6 mil motivos para fazerem o que quiser, chamados de ogivas nucleares. A história se repete: quem tem poder cria uma narrativa, um motivo. Sofrer por uma causa vale a pena. E fazer sofrer por uma causa, vale a pena?
Thiago Braga é historiador especialista em História da Guerra e dono dos canais Brasão de Armas e Impérios AD no YouTube.
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