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Volta às aulas? Para qual escola?

(Foto: Pixabay)

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O governo federal, desde o início da pandemia da Covid-19, estabeleceu normas educacionais excepcionais para atender o estado de calamidade pública causado pelo coronavírus, o ceifador de vidas. O vírus denominado Sars-CoV-2, com mutações exponenciais típicas da nossa era globalizada, em sua nova variante assassina, mostra para a sociedade que vidas, economias, sonhos e filosofias podem imediatamente sofrer transformações. O estado pandêmico atingiu de forma díspar a sociedade, e novamente tivemos o fortalecimento da diferença entre ricos e pobres. Países altamente qualificados cientificamente, com pilares democráticos e a preponderância mínima de bom senso, ocupam novamente destaque no cenário do caos.

A escola, como parte desse universo social, foi abalada e sofreu diversas mutações, tal como o vírus avassalador. Escolas em todos os níveis, das mais tradicionais até aquelas que já usavam tecnologia, tiveram de se reinventar para manter-se diante da sua missão. A pandemia tem sido cruel com o ambiente educacional, e tem revelado o lado sombrio que negamos constantemente. A escola, que deve ser o lugar para atender a todos, tem se revelado espaço de segregação.

Por mais que gestores, professores, pais e estudantes tenham tentado aprender apenas com aulas no ensino remoto, precisamos ser sinceros e reconhecer que não temos um pacto digital em que todos tenham acesso à internet; que muitos pais não têm conhecimento para ajudar seus filhos e muitos daqueles que têm conhecimento não conseguem ajudar por causa de suas atividades; temos, ainda, uma questão cultural que relegou ao nosso povo a ideia de que aprendizagem com tecnologia deve ser apenas para adultos que buscam curso a distância. Temos de ser realistas diante do cenário potencializado pelo vírus. A escola é um espaço necessário para o desenvolvimento social, mas ela deve ser um lugar onde preparamos as novas gerações justamente para o enfrentamento da necessidade de readequar e reinventar a todo momento.

Esse espaço em que devemos aprender e mudar nossas atitudes diante da vida está sendo suprimido justamente daqueles que mais necessitam

Estudo da Insights for Education revelou que somente os países em desenvolvimento realizaram o fechamento total das escolas. Podemos até fazer conjecturas; afinal, povo sem educação e cultura é de fácil dominação. Mas temos de ir além e pensar no papel da escola. A escola, em seus currículos, trabalha com projetos de vida e fortalece os valores universais dos direitos humanos e da ética. Se os membros dessa escola não conseguem sair da teoria, significa que não seguirão os protocolos de segurança; que mesmo com a vacina continuarão com velhos hábitos; que todos os sofrimentos com as vidas ceifadas foram apenas mais um conteúdo que, ao término da educação básica ou superior, tivemos no currículo, e que de fato não conseguimos aplicar.

Precisamos compreender e aprender que o espaço educacional é híbrido, com tecnologias digitais e analógicas, que o conteúdo precisa ser vivenciado. Ao observarmos as políticas públicas nacionais iremos reconhecer que há muito tempo os espaços educacionais são utilizados para servir aos propósitos da nação; recentemente, inclusive, tivemos eleições municipais, ou seja: quando necessário, o espaço pode ser utilizado. Esse espaço em que devemos aprender e mudar nossas atitudes diante da vida está sendo suprimido justamente daqueles que mais necessitam.

A escola é, sim, um agente de transformação social, local onde aprendemos desde a tenra idade a conviver com os outros e conosco mesmos. A escola é o primeiro espaço fora do seio familiar em que somos testados socialmente, revelam-se as potencialidades e as fragilidades das famílias, ou melhor, da sociedade que estamos ajudando a formar. A infraestrutura e o corpo social da escola são a segunda família de muitas crianças e adultos. A criança pequena chama o profissional do portão de “tio”, pois confere àquele adulto um sentimento, um reconhecimento como membro de sua família, que sabe que pode correr até ele no meio do intervalo e pedir ajuda. Com certeza temos no aplicativo aquele grupo de amigos dos tempos da faculdade, talvez tenhamos ido a um casamento ou batizado um sobrinho que nasceu durante o curso. Emoções construídas a partir do meio educacional. A escola é uma grande casa e, como nas nossas casas, ensinamos a nossas crianças, adolescentes e adultos os caminhos (in)seguros dessa vida globalizada.

A discussão do retorno presencial aos ambientes escolares é mínima e necessária, mas precisamos compreender que a escola é um local onde teorias precisam ser vivenciadas. Se trabalhamos principalmente na área de ciências biológicas sobre vírus, transmissão e tantos outros elementos que circundam a vida humana, precisamos praticar. Respeitar quando um colega de escola está com gripe, saber que, independentemente da potencialidade do vírus, quem está doente deve ficar recluso. Se é público e notório que doenças podem ser transmitidas com relações sexuais ou uso compartilhado de seringas, qual o motivo do aumento do número de infectados após todos esses anos? Se sabemos que dengue mata e ainda mantenho o vaso de flor com água no prato, assumo que sou irresponsável e causo mortes, assim como o vírus. Se ainda tenho coragem de jogar papel pela janela, coaduno com políticas de desmatamento.

Retornar ou não o ensino presencial é uma discussão necessária, mas precisamos extrapolar: da escola da teoria para a escola da prática. O conhecimento humano acumulado precisa ser preponderante e dominar o instinto. Este instinto que acredita ser imortal, que não tem responsabilidade com seu próximo e consigo mesmo, pois acredita que pode tudo em todos os tempos. Precisamos, como adultos formadores das novas gerações, promover mudanças de micromundo e, mesmo diante das inúmeras dificuldades, devemos lutar para que o espaço escolar não atenda apenas aos anseios daqueles que querem nos dominar. E, como conhecedores das falácias humanas, devemos colocar em prática nossa teoria. A pergunta que nos cabe fazer é: para qual escola voltaremos?

Dinamara P. Machado é diretora da Escola Superior de Educação do Centro Universitário Internacional Uninter.

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